terça-feira, 8 de junho de 2010

DALMO SARAIVA





DE JOSÉ A JOSÉ

José de Alencar! José de Alencar!
Por que deixastes Iracema sob o sol
Naquela praia do Ceará?
José de Alencar! José de Alencar!
E o guarani bebendo guaraná
Pensando que era maracujá?
José de Alencar! José de Alencar!
E o Perí ficando a perigo
Olhando para as pernas de Ceci?
José de Alencar! José de Alencar!
Enquanto isso Monteiro Lobato
Sentado numa tábua em Taubaté
Colocava o saci em suas fabulosas fábulas.
José de Alencar! José de Alencar!
E Carlos Drummond de Andrade
Sentado na praia de Copacabana
Escrevendo com o caldo de cana a palavra liberdade.
José de Alencar! José de Alencar!
José de além!
José de além!
José de Alencar!



SONHO E REALIDADE

Equilibro. Equilibro-me. Sei que já atravessei um século e estou num outro. Outro muito perplexo assim como eu. E o amanhã? O amanhã é esse hoje onde faço a massa e monto o alicerce para depois virar picumã em cima de um fogo. E se derrubo portas é para renovar a entrada. E se entro é para buscar uma saída. E se saio é porque não tive que derrubar janelas. Livre é todo aquele que nada tem a dever, mas tem o dever de esticar as asas sem mandar nenhum telegrama avisando que as horas também são prisioneiras do relógio de pulso ou de parede. Muitos riram de mim enquanto eu construía o meu circular por cima dos montes. Estiquei o círculo e cortei todos os nós. Voei. É claro que voei e ninguém viu quando pousei nos telhados de vidro. Fiquei lá em cima e não tive pressa porque tudo que flutua, um dia pode retornar ao chão. Acendi fogueiras. Fiz sinais. Conversei com a tal de intuição. Pedi licença ao dia para me despedir da noite. Dormi sob o teto de milhares de estrelas para depois acordar mais ameno e humano. Uma maneira de falar apenas o necessário diante das pedras. Com as pedras aprendi aceitar as perdas porque nada mais tenho para ganhar além da vida que me deram. Pinto de azul esta escrita que não deixa de ser uma fantasia e não deixo de dar uma pitada de realidade diante de tudo que vejo e vivencio. E amanhã quando eu esticar essa corda bamba, possa passar por cima dela sem pressa e lá adiante dizer que valeu a pena
misturar sonho com realidade. É que todas as manhãs eu acordo com o sonho na cabeça e a realidade nos pés. E se essa vida é uma caixa de segredos, ela está sem trinco e sem tramelas. Nada mais posso fazer além desse viver.
É o suficiente. É o SUFI ciente.


PEDRAS DE VIDRO


Aprendi muitas coisas
No curso dos rios.
Amarrei outras coisas
Nas linhas das palmas das mãos.
Com o pé de vento aumentei
Mais ainda os meus passos
Para poder me agarrar
Nas barras da vida.
Com o olho d’água
Comecei a enxergar melhor
As pedras de vidro
No espelho da alma.


COMUNHÃO

Ajuntar amigos, não correr perigos;
Deitar no mato, não desafiar o tempo;
Semear a voz, colher palavras;
Cortar o mal, viver o bem;
Andar sem rumo, buscar uma direção;
Fechar os olhos, abrir a visão;
Sentar no deserto, imaginar uma floresta;
Beber a água, irrigar plantações;
Sentir o medo, avançar com coragem;
Se perder no dia, se achar na noite;
Naufragar no mar, descobrir oceanos;
Rasgar o pano, fazer um manto;
Cortar a terra, descobrir o universo;
Unir o verso, formar um poema;
Agrupar crianças, educar os homens;
Apanhar da vida, morrer tranqüilo;
Colher a fruta, plantar a semente;
Filtrar o sono, dormir tranqüilo;
Sonhar com a guerra, acordar em paz.


*********
De dia é amante.
De noite é diamante.
Estrelas e folhas secas.


*********
Não leve para um Shopping
O meu nome.
Deixe na porta o sobrenome.
Divida aquilo que te sobra
Com quem não come.


*********
Eu vi um braço do mar
Chupando manga de camisa.
Zeus fez chover canivete
E Moises pintou o mar de vermelho
Na tabua das marés.


*********
Há uma criança
Dentro de um homem.
Há um homem
Dentro de uma criança.
Ambos passeiam e sonham
Vestidos de gente.


*********
Venho dos sonhos distantes,
Das nuvens, dos desertos.
Venho de onde
Os ventos resmungam
Das curvas, dos rochedos.
Venho das asas dos pássaros,
Os de dois bicos, de três asas.
Venho das passadas largas,
De lugares estreitos, o claro.


*********
A nossa história
É cheia de geografia.
Somos andarilhos
Andantes andinos.


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A grande cidade
É a capital do Estado.
O estado de nervo.
O estado de sítio.
O crime organizado.
A guerra civil.


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O branco no preto.
O preto no branco.
Café com leite.
Ninguém mistura
A água e o azeite.


*********
Com o peso de meus erros
Rasguei a terra.
Me vesti de carne e osso
E caí no mundo
Guiado pelo meu pescoço.


*********
Lampião e lamparina.
Um explode a tocha.
O outro é a luz que ilumina.
O raio do corisco.


*********
Quase todos os poetas
Morrem cedo.
Eu prefiro morrer
À tarde para poder
Pegar o sol da manhã.


*********
Passarinho na gaiola canta
Porque não sabe chorar.


*********
O plural de deu
Não é deram.
É Deus.
O resto é singular.




Dalmo Saraiva (Rio de Janeiro) é um artista múltiplo: jornalista, escritor, poeta, teatrólogo e pesquisador, com destacada atuação em grupos de arte popular. Já publicou “Urubu” e o livreto “Zoiudo foi pro Beleleu”. Publica regularmente o folheto “Feijão com Arroz” e tem pronto pra publicar o livro “Santo de calça não faz vinagre”.

3 comentários:

  1. Benilson, obrigada por compartilhar tantas letras bem colocadas!

    BÊijinhos da BÊ

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  2. Benlson, gostei das poesias do Dalmo. Que bom podermos trocar poesias e nos conhecer pelos blogs, agradecida pela experiência.
    Abraço,
    Eliana Wissmann Alyanak.

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