quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

GASPARINO JOSÉ ROMÃO


NÃO MALDIGO ESSE TEMPO

Não maldigo esse tempo, em que estou retido
Como pena a cumprir, qual fosse um condenado,
Pelo passar das horas, num leito deitado,
Remoendo do destino os transes percorridos.

Exposto nesta cama, aqui cheguei trazido,
A buscar a saúde ao corpo já cansado,
Inquieto coração, no peito amargurado,
Pulsando sem compasso, ingênuo e constrangido.

Consciente ao Criador, nas minhas pobres preces,
Tão grato o que na vida achei na minha messe,
Enquanto labutei no seara e muito brilho.

Que importa se dos Céus meu fim for decidido?
Importa-me, tão só, lembrar que o tempo ido,
Por mim foi de vencida, sem tréguas e empecilho.


EM ALTO MAR À TARDE

No pacífico oceano, imensamente frio,
Qual mundo de mistério, havido em seus vagares,
Navega sem temor, à frente, o grão navio
Qual fosse uma gaivota, airante pelos mares.

Na solidão da tarde no Céu quieto e vazio...
Gaivota solitária em vôos regulares,
Planando sobre as ondas deste mar sombrio,
Volteando pelo espaço a chilrear nos ares.

Ao longe, na distância, o Astro-rei em crises,
Dourando o fim do dia, envolto em seus matizes,
Despede-se da tarde em místico esplendor.

E a alma, em seu silêncio, formula a sua prece,
Na doce claridade que, aos poucos, esmaece,
Contrita, agradecida, eleva-se ao Senhor.


PARODIANDO CAMÕES

Sete meses no balcão Joaquim servia,
Ao Manoel , português lá da Estrela,
Que transava com a mulata Isabela,
Que era a sensação da Padaria.

Nem um dia o português que a protegia,
Viver no dia a dia assim sem vê-la,
Por isso trabalhava ao lado dela,
Distanciado o morruga padecia.

Certo dia o português que, lá no “Caixa”,
Vinha há muito a suspirar em maré baixa,
Botou Joaquim na rua com bravata.

Joaquim, que sempre fora um cabra macho,
Saiu sem dar estrilo, cabisbaixo,
Vingou do Manoel: levou a mulata!


SEGREDO TRISTE

Em teu silente olhar eu leio uma mensagem,
Que, oculta, a guardaste sem ser revelada;
Que coisas, outras tantas, nesta vã passagem,
Sem ter razão, quiçá, tu as tenhas ocultada.

Na volta dos teus dias, em tua vã romagem,
Que em suma nesta vida, enfim, ficou marcada,
Carregas, como um fardo, uma pseudo imagem,
Insígnia pesada no coração guardada.

A cultivar, no entanto, o coração liberto,
Em falsa alegria, o teu viver, por certo,
Terá novo vigor que à solidão resiste.

E, quando a vida exulta e a liberdade amplia,
Ao certo cantarás, teu mundo de alegria,
No teu olhar silente em teu segredo triste.


A HARPA LÁ NO CANTO

Calada, silenciosa a um canto lá da sala,
Semelha-se dormir sozinha e abandonada.
Escrínio de poemas, no silêncio, a fala
Da música serena às cordas dedilhada.

Trazida bem de longe, ao som da vida, embala
Os corações românticos, escutam na escalada
Das cordas, o tanger perdido nas quebradas,
Da solidão do mundo, que em nossa alma cala.

Qual símbolo do amor da nossa alma, espanta
A estranha incompreensão que, às vezes, se levanta
No âmago insondável do nosso pensamento.

A vida é como a harpa, eivada de incerteza.
Jamais a entendemos, em mística sutileza,
Na solidão do mundo, em seu encantamento.

DESPRENDIMENTO

Não quero as cinzas do negror da noite,
Não quero a geada do rigor de inverno,
Não quero o vento no seu duro açoite,
Ao coração não quero o frio interno.

Nem a lembrança que no peito amoite,
Não quero as chamas de um suposto inferno,
Não quero as juras que o passado acoite,
Nem das belezas o paraíso eterno.

Eu quero, apenas, no viver de agora,
As mesmas coisas do meu tempo, outrora
Vivido, e não pensado, ao meu rodeio.

Que flua a vida, na minha consciência,
Sem que perturbe-me a maledicência,
Dos preocupados, do viver alheio.


AS ÁGUAS NÃO VOLTAM

Procura andar pela vida, por retos caminhos,
Que os passos percorridos atrás não voltarão.
Não adianta pretenderes revolver o passado,
Que só terás dissabores nas tuas recordações.

As águas correm rumo ao grande Oceano,
Não voltarão a passar sob a mesma ponte.
A roseira secou as suas folhas e pétalas
Da rosa entreaberta, espalharam-se no chão.

Não voltará à roseira a rosa que caiu
Como ao leito do rio as águas não voltarão.
Eu não suporto mais viver reminiscendo,
Embora sejas para mim toda a minha vida.


Um dos maiores sonetistas brasileiros da atualidade, Gasparino vive em Guarulhos e é membro da Academia de Letras de Campos do Jordão . É autor de 22 obras publicadas, entre Poesia, Direito, Religião e História. Os poemas aqui presentes fazem parte do livro “O Mar das Minhas Ilusões”, seu último livro. Contato com o autor: escritor@gasparinoromao.com.br .