domingo, 28 de setembro de 2014

JÚNIOR BALADEIRA



REMANESCENTES

Destruíram minha alma,
Destruíram meu corpo,
Destruíram minha voz
E quase tudo que era meu.

Destruíram meu amor,
Destruíram a verdade,
Esconderam de mim a felicidade,
Quase o mundo feneceu.

Minha bondade foi julgada de pecado,
Meu desejo, tido como tentação,
Meu segredo para o mundo foi gritado,
Sufocaram o meu coração.

Só que todo amargor que o mundo trouxe
Não foi tão grande para não ter solução,
Remanesce em mim o sonho e a esperança,
Certamente esses nunca morrerão.


CAMINHOS

No rosto das pessoas eu vejo a insegurança.
Não temos para onde correr!
Todos têm sonhos e medos.
O que temer?
Um lógico ponto:
Seguir sua vida normal,
Todos vão ao mesmo rumo
Só caminham em uma direção.
É obvio, não enxergo notórios,
Apena robôs,
Destinados a matar sua sede
Na mesma linha de chegada.


A CAUSA OU O PESCOÇO?

Vivendo o dilema de falar verdades,
Sem saber se vivo depois de falar.
Se digo o que penso e o que passa na frente
O tal amanhã não viria a pisar.

Nós somos detentos do nosso sistema,
Omissos nas vozes que temem sair,
Nas letras que temem virar poesia,
Que a verdade venha a nos extinguir.

Tentando deixar tudo claro e escuro,
Falsa maquiagem nos conserva a vida,
Temendo a nossa ficamos calados
Mas nas nossas almas inflama a ferida.

Revolucionários nós somos, em tese,
Vivendo um dilema paradoxal,
Lutar pela causa ou ter o pescoço,
Vamos trafegando entre o bem e o mal.


EU LEVEI UMA PEDRADA

Eu levei uma pedrada
Mas não foi de baladeira,
Era um dia de feira
E a rua estava lotada,
Vi de longe a molecada,
Burra cega, os cabra e eu,
Nesse instante aconteceu
Para que eu jamais esqueça:
A pedra na minha cabeça
Que chega o mel desceu.


TRISTE SECA

Passado o tempo do inverno,
Nascido o triste verão,
Mina a dor no meu Sertão
Mudado de céu pra inferno,
Nasce um desespero eterno
Sonhando a chuva chegar
E ela sempre a demorar
Pra molhar a natureza,
Engrossando  mais a tristeza
Da seca que quer matar.

Meu mundo fica avessado
A mata fica marrom,
Natureza perde o tom,
Até lá, esverdeado,
Chapada perde seu prado,
Rolinha foge e lambú,
O céu fica sempre azul,
Umbuzeiro seca e morre,
Nordestino teme e corre
Pra tentar vida no Sul.

Na cidade pequenina
O emprego fica caro,
Até o feijão é caro
Pra família nordestina,
Nessa escaldante sina
Nasce um meio industrial
Onde a seca é o ideal
Pra fazer sua riqueza,
Esquecendo da beleza
Que tem o povo local.

Fura o poço, faz barreiro
Temendo a chuva chegar,
Mas esquece de implantar
Saída pro meu terreiro,
Só quem ganha é o fazendeiro
Da grande propriedade
Que mora lá na cidade,
Vive vestido de terno,
Só vem aqui no inverno
Desculpe a sinceridade.

Quem só tem uma casinha
Com uma cabra no quintal,
Um jumento no curral,
Pra viver, uma vaquinha,
Coitada, chega é magrinha
Pois não tem o que comer,
A rocinha é seu poder,
Três tarefas é a marcação,
Mas já tá rachado o chão,
Nada nela há pra fazer.

Não tem nem como gritar
Pro mundo sua triste dor,
Só sofrer com o ardor
Que teme em só aumentar,
Vivendo nesse penar
Mostra o  homem ser bem forte,
Nas terras aqui do Norte
Trava o tempo a triste sina,
A morte e vida é Severina,
Luta o povo contra a morte.

Menino pede pro pai:
Por favor, quero morrer,
Não agüento mais sofrer,
A fome já ta demais.
Parece que Satanás
Fez daqui sua morada
Com essa seca desgraçada
Onde o sol teme em ficar,
Rogo e peço pra mudar.
Salve ó Deus a terra amada.

Por favor, chuva querida,
Vem molhar minha esperança.
És a bem aventurança,
A fonte da nossa vida
Que se mostra dividida
Nesse tão triste verão.
Finda agora essa missão
Como um nordestino sofre,
Sem me entregar pra morte
Na seca, mãe do Sertão.



Nelson Pereira de Sá Junior, o Junior Baladeira, pernambucano de Salgueiro e atualmente em Ouricuri, é formado em História. Foi fundador da Companhia de Dança Popular de Ouricuri, do Grupo de Dança Rua do Sertão e do Coletivo Nação Zulu Sertão, entre outros grupos. Desenvolve     pesquisas independentes nas áreas de música, literatura, dança, teatro e cultura popular. Os poemas acima fazem parte do livro "Versos Alados". Contatos: juniorbaladeira@yahoo.com.br .