domingo, 16 de dezembro de 2012

GERALDO TROMBIN

INVERSÃO DE PAPÉIS

Nada por aqui está mais como antes:
No ar, o revoar dos elefantes;
Pássaros ao chão em sons dissonantes;
O crescer desordenado dos infantes.

Nos rios, lampejos mil, alucinantes;
Nas nuvens, águas negras abundantes.
Nos campos, flora e fauna destoantes;
As pessoas vivendo como errantes.

Que está acontecendo, meu Deus do céu?
Por que essa tamanha inversão de papel?
Bom virando réu, mal bem para dedéu!

Decoro e honestidade sempre ao léu;
A natureza indo pro beleléu!
Difícil para alguém titrar o chapéu!


GARIMPAGEM

Na exploração,
Extração,
Na peneirada
Dessa tenra maior idade,
Sobrou bruto coração;
Valiosa jazida,
Preciosa pedra,
Sensibilidade qu´inda não medra,
Esperando ser lapidada
Antes da partida,
Da jaz ida
À lápide insculpida,
Ao tumular doce lar.


BORBOLETA & AR


Um pelo outro, deixa-se levar,
Vento, asas da imaginação,
Borboleta e ar.

Borboletear
Como lançadeira de tear,
Indo e vindo na fiação,
Tecendo em voos lúdicos, únicos,
A  arte de voar.


PRESEPADA

Após transformar
Em comercial
O espírito do Natal,
O soar do pequenino sino de Belém
Ficou muito aquém:
Virou uma presepada.
A noite que era tão bela
Sob a luz da vela da capela,
Hoje não representa mais nada!


DE LÍRIOS AOS DELÍRIOS

Apreciais a beleza dos lírios;
Acompanhais a fidúcia dos círios;
Pingais na irritada visão colírios;
Agradecei a luz dos lampírios;
Aprendei com a via crúcis, os martírios;
Sonhais aos montes, aos delírios.


VIDRAÇA DE POSTIGO

Estou eu mesmo, sozinho aqui comigo,
Contemplando o meu próprio umbigo,
Pagando caro por interminável castigo.

Estou eu "andarilhando" a passos de mendigo,
Suplicando pela segurança do abrigo
Onde habita o afável sorriso amigo.

Estou eu abrindo a minha vidraça de postigo
E, pela fresta, expondo-me a todo tipo de perigo,
Na esperança devolutiva do meu amor que ainda está contigo.


ÍNTIMA IDADE

Juntos,
O meu, o seu pijama,
Deitando e rolando
Na mesma cama.

Jogo de cintura,
Pano pra manga,
Pernas, pra que te quero!
Afagos, carinho e lero-lero.

O meu botão
Invadindo
A casinha
Do seu blusão.

Leito de emoção,
Deleite de paixão.

Geraldo Trombin (Americana, SP) é publicitário  e um dos escritores mais premiados do Brasil. Os poemas acima foram extraídos do livro "Só Concursados   - Diversos Poemas, Crônicas e Contos Premiados", de 2010. Lançou em 1981 o livro "Transparecer a Escuridão", de crônicas e poemas. Contato: gtrombin@terra.com.br

sábado, 1 de dezembro de 2012

NAYARA FERNANDES




"No paradoxo que me veste sou apaixonada pela beleza de dentro:
Beleza que arrepia os poros.
Beleza que estremece o todo.
Beleza que dignifica a autenticidade da beleza fora".


“Somos sementes a brotar em outros jardins.
Somos voz do sentir alheio que não diz.
Somos chegada e partida da poesia”.


“Capa é:

Máscara sem rosto.
Beleza vazia do [intelecto do todo].

Conteúdo é:

Cabeça que equilibra o corpo.
Cérebro que conduz a [beleza infinita] de ser um sujeito culto”.
  

"É tempo de novos tempos.
Tempo de crescimento;
tempo de amadurecimento;
Tempo de florescer para dentro.
Tempo de abrir à porta para o eu autêntico.
Entre novos e velhos tempos sempre há tempo para o recomeço".

"Fases
faces
inúmeros disfarces encontro na poesia
Leio milimetricamente cada linha
Ouso atenciosamente as entrelinhas
Cuido do sofrer com coração
Cresço
 Amadureço
 Pra dentro floresço
Fora aqueço com febre do saber que me o causou".

"Vamos que voamos nas asas da Poesia.
Voo eterno ainda que o poeta não mais exista".
"A palavra é sacra.
O poeta é Alma.
Deus inventou a vida.
O poeta reinventa-se com o raiar do dia.
Poeta é quem nunca sobra de vítima: é herói e bandido.
Mímico que traduz ternura com gestos mais simples.
O único ator que pode inverter qualquer cena.
Palhaço que arranca sorriso ainda que a própria vida seja cinza.
Permanece firme ainda com lágrimas dos olhos caindo.
O poeta é inventor das mentiras sinceras.
Que de tão sinceras torna-se uma delas".

 "Ninguém é exatamente o que versa.
Poeta é inventor de si.
Por isso poetiza-se.
Poeta é inverso ao que verdadeiramente é.
Escreve para ser verso da fábula que escreveu".

"Poesia é fênix.
Fênix da Alma em metade.
Fênix da dor que não sara.
Fênix da lágrima sangrenta.
Fênix do poeta imundo do homem.
Fênix da ferida incurável da frieza humana.
Espírito de luz magistral.
Poesia é orvalho que umedece a aridez da Alma".


Nasceu em 02 de setembro de 1988. Nordestina, piauiense, filha de Teresina. Cadeirante. Estudante. Poeta não se faz: se nasce.  Nayara nasceu. E lá de sua distante morada faz ecoar sua voz de brasileira menina, que não se abate nem se abala, e com o poder de seus versos faz questão de dizer que vive, que sente a poesia, que escreve e que tem algo a nos dizer. No meio de tantas lutas diárias, sonha em ser jornalista e publicar seu primeiro livro. "Tá difícil não", dizem os passarinhos... 


terça-feira, 9 de outubro de 2012

EDELSON NAGUES




IMPRECISÃO

O que mais espanta 
é o homem, sempre,
querer-se exato.

Pois sua medida
perde-se nas trincas
de seu próprio ato.

E, se o ato trinca,
permite o assalto
da imprecisão.

E esta, insolente,
espalha-se por tudo
(grama pelo chão).

Feito epidemia,
todos contamina,
alhures e aqui.

E o homem, pego,
perde a medida,
perde-se de si.

E, uma vez perdido,
o homem se lança
ao léu das palavras.

Mas estas, latentes,
menos se revelam
quanto mais se cava.

Mas revelam o homem,
que, à sombra delas,
tenta se esconder.

Ele, então, desnudo,
mostra-se inteiro
em um outro ser.

Só assim, desfeito,
o homem se refaz
da potência ao ato.

E, ao refazer-se,
torna-se complexo,
ainda que inexato.


MUNDOS

Solidão -este é o nome
do mundo a que pertenço.

Entre milhões, solitário,
carrego a vida in progress
e um projeto dr morte.

Sem plano de voo que o valha,
entrego-me a tal desdita
como quem se fizesse escravo.

II
No trajeto, me deparo
com seres também solitários.

Traçamos, então, paralelas
que insistimos trilhar.
Mesmo que olhares, mãos,
gozos e outras ânsias
se cruzem por linhas incertas.
(Pois solidões que se toquem
ainda serão solidões.)

III
De onde vem o solitário?
Qual a linhagem? a essência?
o ponto de interseção?

A resposta, em parte,
acaba por revelar-se
na face de cada um:

o solitário, por certo,
vem de outro mundo
-o de dentro.

O resto é só disfarce.


UNIVERSO

O nada 
é o limite
de tudo.

Não importa:
estou cego
e mudo.

Sigo
contando
estrelas.


NOTURNO DE RUA

Vagueio
no silêncio morto
      das ruas mortas.
Entre casas escuras.
Entre vidas escuras.
Entre sentimentos
      desmitificados.

O silêncio me invade
(e eu me transformo
      numa dessas ruas).

O silêncio está nos homens.

Somos, todos, ruas
     noturnas e desertas.


RESUMO

Não tenho nada a temer.
Por isso é que sou livre.

Não tenho tempo a perder.
Só vou aonde nunca estive.


EDELSON NAGUES é o nome literário de EDELSON RODRIGUES NASCIMENTO, mato-grossense de Rondonópolis e radicado em Brasília. Poeta, escritor e servidor público, estudou Direito e Filosofia, com pós-graduação em Língua Portuguesa, com vários trabalhos premiados em concursos literários no Brasil. Os poemas acima fazem parte do livro "Águas de Clausura", de 2011. Contato: edelnasc@yahoo.com.br

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

MATEUS FERNANDES




Areia

Na presença do mar me esqueço de tudo.
Até de coisas que nunca soube.

Acho que tudo que juntei nestes textos, não deve representar nada de quem sou.
Ou, mesmo quem fui.

Apenas é o que o mar um dia me trouxe, e logo me furtou.
E trouxe de novo.

Diria talvez, que seriam pequenos resquícios de um coração já muito sujo, que ainda luta para bombear sangue.

E não é que me furtou de novo.

Alguns pensarão na areia, no mar, no coração.
Eu nem sei mais no que penso. Apenas deixo-me molhar novamente os pés descalços.

Deixo o mar trazer e levar tudo que escrevi.


Cego

As Vezes sinto falta do seu cabelo laranja.
De ponta loira
e raiz preta.

Mas meu coração não sente.
E o que é que sabe meu coração?
Ele nunca entendeu esse seu lábio fino,
nem esse seu olho claro.

Lógico que não entendeu,
ele nunca o viu.


Seriam apenas três atos

Eu nunca saberia o que seria de você.
Mas, se desse certo,
nosso amor duraria todo o tempo de uma entrevista.
O Meu jornalista ia te encher de perguntas.
E eu nem saberia quais perguntas.
Você cansaria.
Não responderia. Tudo que seria nosso sumiria.

Mas, se desse certo,
nosso amor duraria o tempo de um filme,
que veríamos antes do coito.
E então o ponto alto seria,
os versos do poema que eu sussurraria no seu ouvido sem fôlego.
E eu decoraria um novo verso a cada noite.
E nosso amor duraria até eu não entender mais o que dizia.
E você se levantaria.

Mas, se desse certo,
nosso amor duraria o tempo de um disco.
Que eu esperaria você ouvir para saber o que achou.
O nosso ponto alto seria,
o momento em que você cansaria e ouvir meu samba.
Meu coração não entenderia seu desleixo com meu disco.
E eu retiraria a agulha sem entender o que acontecia.


Alfabeto
Para Carlos Drummond

Não, meu coração não fala comigo.
Mas, eu é que falo com meu coração.
Se falasse, eu não entenderia.

Que língua falam os corações?
O que será que diz o coração do homem atrás do bigode? 


Vermelho

A coisa mais insensível que eu posso excretar de mim é um filho.

A coisa mais humana que posso produzir é sangue.


Água de mar

Vivo uma tarde vazia,
assim como um copo de aguardente
em meio a sede do mar.

O suor desce levemente
percorrendo meu corpo inteiro.
O calafrio me comove. Me perturba.

Como pode sair tanta água de um ser vazio que nem eu?

Se hoje estou vazio é porque antes amei aurora, aurélia, amélia, esperança, edilamar, rose, ruth, nana.
Amar é perder-se de si mesmo a cada dia.


Escuna do adeus

E a praia continua suspirando
com  chegar das ondas a sua margem.

E o ar entra e sai com o carinho dos alvéolos,
que levam tudo embora, como onda de mar.


MATEUS FERNANDES é jornalista e escritor inédito, um dos novos valores da Literatura do Vale do Paraíba (Taubaté-Campos do Jordão). Os poemas acima fazem parte da coletânea "Fotocópias de um Coração". 




segunda-feira, 20 de agosto de 2012

DONIZETE GALVÃO





AUTO-RETRATO COMO BOI

Eu boi.
Boi de mim mesmo.
Boi sonso.
Boi de canga.
Boi de carro.
Boi de ônibus.
Boi de arado.
Boi sangrado por ferrão.
Boi de carreto.
Boi em prédio de vidro.
Boi com crachá
E carteira assinada.
Boi comprovado.
Boi indistinto
Na boiada da cidade.
Boi tangido.
Boi bernento.
Boi de joelhos
Sem um mugido
Na escuridão.
No curral da insônia,
Rumino palavras pastadas
Na ribanceira dos dias.


NOTÍCIAS DO DIA

Alarido de periquitos
Que se camuflam
Por entre o verde
Das touceiras de taquara.

Surpresa de amoras,
Maduras no ponto exato,
Em meio ao emaranhado
Da moita de espinhos.

Roçar de andorinha
Entre voo e pouso.
Parábola desenhada
Por vento e asa.


ESCOICEADOS

Meu pai e eu
Nunca subimos
Num alazão
Que galopasse
Ao vento.
Tínhamos um burro
Cinza malhado:
O Ligeiro.
Foi apanhado
De um conhecido
Por ninharia.
Chegou com fama
De sistemático,
Cheio de refugos.
De trote tão curto
Que dava dor
Nas costelas.
De certa vez,
Caímos do burro.
Meu pai e eu.
Eu e meu pai.
Embolados.
Joelhos esfolados
No pedregulho.
Levamos
Bons coices.
Meu pai e eu.
Os dois
Nunca subimos
Na vida.


DIA DE NADA

O domingo expõe
Seus andaimes de sombras,
Zonas de exasperada ferrugem,
Falas e imagens deterioradas.
Unhas imploram
Para serem roídas.
Há um facho de luz
Cruzando o plexo.
Há a irrupção do desejo,
Aragem de um espasmo,
Antes que as ruínas das horas
Girem seus dentes
E triturem os ânimos.
Imobilidade do corpo
Em seu centro vazio.


ARQUITETURA DA INSÔNIA

A palavra perdida
Na caçamba de entulhos
Entre cacos de azulejos
E restos de reboco.

Mergulhada no caos,
Sem eixo, sem direção
Girando na história
Em busca da uma saída.

Sob as nuvens que assomam,
Palavra tensa e espinhenta,
Esticada como cerca elétrica,
Prestes a ser deflagrada.

Uns inventariam bens
Que cabem numa gaveta,
Mas que saturam o coração
De afeto e ressentimento.

Já cantam os paturis
No voo rumo à represa.
A cidade surge sob fumaças
E o insone reconta detritos.


SATURAÇÃO

No círculo que a xícara de café
Deixa desenhado no pires,
O grão amargo do equívoco.
O olhar preso, a vida presa.
Ânsia que confrange os ossos.
Ninguém atura o risco do cerco.
Ninguém sai dele de mãos vazias.


DESAJEITO

O homem inacabado
Não tem posição
Que lhe traga conforto
Na cama.
Luta a noite toda
Com o colchão
Sem que seu corpo
Torto possa encontrar
Abrigo.
O pensamento
Do homem inacabado
Gira em falso
Como as rodas de um carro
Encravado na lama.



DONIZETE GALVÃO nasceu em Borda da Mata, sul de Minas, em 1955. Cursou a Faculdade de Administração de Empresas de Santa Rita de Sapucaí e, em São Paulo, fez Jornalismo na Cásper Líbero. Trabalha como jornalista e publicitário. Recebeu o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte em 1988 pelo livro Azul Navalha, que lhe rendeu ainda a primeira indicação ao Prêmio Jabuti. A segunda indicação viria em 1997 com A Carne e o Tempo. Foi indicado ainda aos prêmios Ciudad de Madrid e Portugal Telecom (2003). Os poemas acima foram retirados dos livros Ruminações, de 1999, e O Homem Inacabado,  de 2010. E-mail para contato: dgalvao@uol.com.br

domingo, 15 de abril de 2012

DAILOR VARELA




MÃE

Todo dia
mãe noite.
Madrugada às vezes.
Febre de amor
Incendiando
O espaço caseiro
De móveis ternuras
Envernizando filhos
Que se revelam
Nas gavetas
Da cômoda eternidade.


PARA MAÍRA


Visto a tarde solar
de vestido de organdi
e te imagino nuvem azul,
clara no meu horizonte
de pai e raiz da tua espécie,
menina feita em mim
presença cabelo e olhos
paternidade e eternidade
Dedos desenhando com desdém
a letra D do meu nome
da tua blusa escolar
Aprendizado de vida
que não te ensino
porque somente agora
sei caminhos de ouro
que engulo antes de sonhar
com tua ausência
insônia da tua voz
tímida e difícil
Telefone e medo


TARDE


Tardes mornas
mortificam a vida
Nuvens mortais
tingem veneno
gás carbônico
no rosto roto
do operário morto
bêbados vomitam
desesperanças
na toalha de plástico
da paisagem fórmica
um medíocre pôr-do-sol
anoitece o medo.


MEU PAI MORTO


Não escuto teu silêncio
de mortas palavras
fechadas na eternidade
do céu da boca.
A linguagem do morto
é um tempo vivo de lembranças
que se fazem marca de sangue
correndo nas veias,
herança de pai pra filho.

LUZ

Teu corpo é paisagem
bucólica, onde me deito
cansado de lutas cotidianas.
Encontro na flor do teu sexo
sementes que planto
por férteis campos de desejo
inquieto.


XII


Anjo, adormeces
em panos tingidos de vermelho
Acordas no longo verão amarelo
cantando uma canção colorida
que se espalha no quarto.
Não feche portas contra
minhas noites de insônia.

Jornalista e poeta potiguar, radicado em Monteiro Lobato, SP, um dos criadores do Poema-Processo e considerado um dos Cem Poetas Brasileiros do Século XX. Os poemas acima fazem parte do livro Escrevivências, de 1992.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

GASPARINO JOSÉ ROMÃO


NÃO MALDIGO ESSE TEMPO

Não maldigo esse tempo, em que estou retido
Como pena a cumprir, qual fosse um condenado,
Pelo passar das horas, num leito deitado,
Remoendo do destino os transes percorridos.

Exposto nesta cama, aqui cheguei trazido,
A buscar a saúde ao corpo já cansado,
Inquieto coração, no peito amargurado,
Pulsando sem compasso, ingênuo e constrangido.

Consciente ao Criador, nas minhas pobres preces,
Tão grato o que na vida achei na minha messe,
Enquanto labutei no seara e muito brilho.

Que importa se dos Céus meu fim for decidido?
Importa-me, tão só, lembrar que o tempo ido,
Por mim foi de vencida, sem tréguas e empecilho.


EM ALTO MAR À TARDE

No pacífico oceano, imensamente frio,
Qual mundo de mistério, havido em seus vagares,
Navega sem temor, à frente, o grão navio
Qual fosse uma gaivota, airante pelos mares.

Na solidão da tarde no Céu quieto e vazio...
Gaivota solitária em vôos regulares,
Planando sobre as ondas deste mar sombrio,
Volteando pelo espaço a chilrear nos ares.

Ao longe, na distância, o Astro-rei em crises,
Dourando o fim do dia, envolto em seus matizes,
Despede-se da tarde em místico esplendor.

E a alma, em seu silêncio, formula a sua prece,
Na doce claridade que, aos poucos, esmaece,
Contrita, agradecida, eleva-se ao Senhor.


PARODIANDO CAMÕES

Sete meses no balcão Joaquim servia,
Ao Manoel , português lá da Estrela,
Que transava com a mulata Isabela,
Que era a sensação da Padaria.

Nem um dia o português que a protegia,
Viver no dia a dia assim sem vê-la,
Por isso trabalhava ao lado dela,
Distanciado o morruga padecia.

Certo dia o português que, lá no “Caixa”,
Vinha há muito a suspirar em maré baixa,
Botou Joaquim na rua com bravata.

Joaquim, que sempre fora um cabra macho,
Saiu sem dar estrilo, cabisbaixo,
Vingou do Manoel: levou a mulata!


SEGREDO TRISTE

Em teu silente olhar eu leio uma mensagem,
Que, oculta, a guardaste sem ser revelada;
Que coisas, outras tantas, nesta vã passagem,
Sem ter razão, quiçá, tu as tenhas ocultada.

Na volta dos teus dias, em tua vã romagem,
Que em suma nesta vida, enfim, ficou marcada,
Carregas, como um fardo, uma pseudo imagem,
Insígnia pesada no coração guardada.

A cultivar, no entanto, o coração liberto,
Em falsa alegria, o teu viver, por certo,
Terá novo vigor que à solidão resiste.

E, quando a vida exulta e a liberdade amplia,
Ao certo cantarás, teu mundo de alegria,
No teu olhar silente em teu segredo triste.


A HARPA LÁ NO CANTO

Calada, silenciosa a um canto lá da sala,
Semelha-se dormir sozinha e abandonada.
Escrínio de poemas, no silêncio, a fala
Da música serena às cordas dedilhada.

Trazida bem de longe, ao som da vida, embala
Os corações românticos, escutam na escalada
Das cordas, o tanger perdido nas quebradas,
Da solidão do mundo, que em nossa alma cala.

Qual símbolo do amor da nossa alma, espanta
A estranha incompreensão que, às vezes, se levanta
No âmago insondável do nosso pensamento.

A vida é como a harpa, eivada de incerteza.
Jamais a entendemos, em mística sutileza,
Na solidão do mundo, em seu encantamento.

DESPRENDIMENTO

Não quero as cinzas do negror da noite,
Não quero a geada do rigor de inverno,
Não quero o vento no seu duro açoite,
Ao coração não quero o frio interno.

Nem a lembrança que no peito amoite,
Não quero as chamas de um suposto inferno,
Não quero as juras que o passado acoite,
Nem das belezas o paraíso eterno.

Eu quero, apenas, no viver de agora,
As mesmas coisas do meu tempo, outrora
Vivido, e não pensado, ao meu rodeio.

Que flua a vida, na minha consciência,
Sem que perturbe-me a maledicência,
Dos preocupados, do viver alheio.


AS ÁGUAS NÃO VOLTAM

Procura andar pela vida, por retos caminhos,
Que os passos percorridos atrás não voltarão.
Não adianta pretenderes revolver o passado,
Que só terás dissabores nas tuas recordações.

As águas correm rumo ao grande Oceano,
Não voltarão a passar sob a mesma ponte.
A roseira secou as suas folhas e pétalas
Da rosa entreaberta, espalharam-se no chão.

Não voltará à roseira a rosa que caiu
Como ao leito do rio as águas não voltarão.
Eu não suporto mais viver reminiscendo,
Embora sejas para mim toda a minha vida.


Um dos maiores sonetistas brasileiros da atualidade, Gasparino vive em Guarulhos e é membro da Academia de Letras de Campos do Jordão . É autor de 22 obras publicadas, entre Poesia, Direito, Religião e História. Os poemas aqui presentes fazem parte do livro “O Mar das Minhas Ilusões”, seu último livro. Contato com o autor: escritor@gasparinoromao.com.br .

domingo, 22 de janeiro de 2012

ALVARO POSSELT


Entrada secreta
- Como você entrou aqui? - perguntou-me o diabo.
- O cabo do elevador se rompeu!

O avarento
Detesto dever para alguém, mais ainda para um avarento. O vendedor de coxinhas ia toda tarde na firma.
Fiquei devendo dois reais a ele. Morreu. No velório, O filho da mãe de olhos abertos me secando.
Agora não devo mais nada. Peguei duas moedonas e pus nas vistas dele.


De gude
O netinho tem uma coleção de bolinhas. Tem buricão, carambola, acinho, chazinha e leitosa.
Agora apareceu com uma tal de caolhinha.
Fez sucesso no jogo de búrico até a mãe descobrir onde foi parar o olho de vidro do avô.


HAICAIS

Tarde no jardim -
Desprende-se do galho
uma borboleta

Novo calendário -
Recebem tinta fresca
as velhas promessas

Fogueira junina -
Se misturam às estrelas
fagulhas no céu

TERCETOS

Noite do espanto
Fui baixar um arquivo
baixou-me um santo

Meu violão me intriga
Morre de tanto rir
se lhe coço a barriga

Entre arranhões e lambidas
para cuidar de tanto gato
precisarei de sete vidas

Vou beber até que amanheça
Todos os problemas passam
Só fica a dor de cabeça

Preso todo cachorro late
Se eu fizer o mesmo
então vai dar empate

Não cresceu com fermento
Para o pão ficar grande
usei lentes de aumento


Alvaro Posselt é professor de português e revisor de texto.
Nasceu em 02/12/71. É curitibano. Participou de coletâneas de haicais, poetrix e miniconto.
Tem haicais e miniconto classificados em concursos. É colaborador do Jornal Memai - Letras e Artes japonesas.
Contato: alvaroposselt@yahoo.com.br

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

TERESA BENDINI



SOLIDÃO

Quisera pintar a solidão
Porque sou eu a luz que é dela
Na minha não tradução.

Que vasto mundo absorto,
De cores silenciosas,
Mergulho tão numinoso
Em luzes vertiginosas

Afetos só falam mudos,
Palavras são estrangeiras,
Olhares têm só vislumbres,
Dos mundos que nela beira.

Solidão, tu és Deus de tão sozinha!
Tu és alma minha!
Inteira!

POEMA SÓ

Não pense nada que não te faças extasiar.
Não pense política ou futebol.
Não pense notícias de jornal.
Não pense o mal.
Não pense mal.

Pense só!

O lá.....

O sol.

O MAR

Gente e mar...
Tem algo em comum
Um movimento
Uma linguagem
Uma linhagem
Azul?

Mar revolto
Mar grosso
Marola...

Mar que é calma
No fundo do mar
No fundo da alma.

No fundo dos olhos
Há mar

Amar o mar
No fundo dos olhos
Molha

O mar no fundo dos olhos
Olha
O mar no fundo dos olhos
Molha.

Mar morto
Mar negro
Olhos marejam
Vermelhos...

Vermelho mar.

Do fundo do olhar
Gotas de sal
Ondas do mar

Rolam...

O amor
O amar


MARTELINHO DE ESCULTOR

Meus filhos são poemas secretos
Meu olhar julgador
Não sabe lê-los.

Pensa que são: - Obra-Prima.

E neles fica batendo,
Com martelinho de escultor,
Conselhos e filosofias...
Achando que são: Obra minha...
Os filhos do meu Amor!

MANHÃ

Queria por manhã nos meus momentos,
Pois é sempre manhã no tempo em que pertenço.
Eu queria que manhã fosse...em todos os momentos.
Só assim, ela seria minha ...e à vontade.
Brinco com ela de ser eterna e ela se espreguiça.
De manhã eu aconteço!
Manhã... e eu já brilho.
Manhã... e eu já vivo.
Manhã... e eu sou radiante.
Manhã... e eu amanheço.
Queria minha vida de manhã.
Uma manhã de vida.
Passo uma manhã com minha vida
E já não quero que ela passe.
De manhã, eu a quero toda...
E a chamo: Manhã


ABELHA

Abelha que quando pica,
Morre

Quisera eu ao picar,
Morresse

Eu não sabia que ao ferir
Morreria

Já morri tanto e tantas Vezes...

Se soubesse, não Morreria

Quereria viver

Morrer, não ousaria

Quereria viver

Viver tanto e tantas Vezes

Que ferir, não saberia


Bishop (in memorian)

Ser infeliz não chega a ser mistério
Ser infeliz não trás em si nenhum mistério
Que mal há em achar o mundo agônico
Em sentir-se:
Escroto
Estorvo
Em querer-se morto,

Que mal há?

Posso dizer que ser infeliz
É tão comum.
Não vejo nisso mistério algum.
Mas em sorrir...

UM!


Da nova geração de escritores de Taubaté (SP), autora de livros infantis e ativa participante dos Movimentos Poetas do Vale e Confraria do Coreto.