domingo, 20 de fevereiro de 2011

ULYSSES ROCHA FILHO


SERENANDO...
A chuva beija a terra
Com hálito de menta...

O desejo do dia
Possuindo a noite
Me dita esperanças...

Ainda que haja um abraço
Não sei se passo
Não sei se faço
Com que volte a chover...

A terra, fecundada, engravida
De ilusão e choros vãos...

Do alto do céu _ breu...
Do cio da terra _ gravidez...
Da esperança _ o nada...

Na esperança de frutificar e,
Com esperança, de viver...
A chuva beija a terra
Para engravidá-la de novo!

FIOS DESENCAPADOS

Bafejada na nuca
Sussurro na orelha
Língua no peito
Tato no tato
Tentáculos no dorso
Encaixe da vida:
são fios desencapados!

São fios desencapados
No café da manhã
No descanso do almoço
No encontro da tarde
E no descanso(?)
Da noite!

Mas são possibilidades mil:
Língua na nuca
Sussurro na orelha
Tentáculos no peito
Encaixe no tato
Bafejada no dorso
Tato da vida:
sempre, fios desencapados!



BANZO

(A rede vai
E vem)

A vida vai
E não vem

A mulher foi
E veio

(A rede vai
E vem)

O olho olha
E fecha

A vida vai
E vem

Vai ali
Ali vem.

(A rede vai
E vem!)

Quanto lasso,
Meu Pai!

(A rede vai
E vem!)

Olho e Durmo
na rede

Que vai...
E... Vem!

QUIRODÁCTILO
Toquei o dedo no meio
Do nada do sexo
E comecei acariciando
O mais belo favo de mel...

Viajei por outros caminhos
Desci aos infernos da solidão
(Percebendo presença de multidão)
Mas alcancei um prazer supremo....

Como nunca imaginara,
Descobri na dor do prazer,
entre o dedo indicador e o anelar,
A falsa realização do sonho...

Em cada palavra _ mentiras!
Em cada olhar _ verdades!
Em outros sonhos _ ilusão!
Em cada dedo, no sexo _ um não!
ULYSSES ROCHA FILHO, escritor e professor universitário, autor dos livros FIOS DESENCAPADOS (2009) e CONTOS DESBOTADOS (2010), reside em Goiás, na cidade de Catalão. Sua poesia, por vezes, caminha pelas veredas do sensualismo labiríntico das palavras penetradas no papel. Cinema, música e literatura é o seu tripé preferido.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

VASCO DOS SANTOS

SONETO IX
Se Lisboa é sorriso, a vida é dura,
A aldeia está perdida na lembrança,
Ressoam, no outro lado, ecos de esperança
No sonho convidando tal procura.

No cais é silhueta, igual figura
Que o Velho do Restelo, sem tardança,
Invocando a corrida à abastança,
Lembrava a dor sentida na aventura.

E porque, ao português, o mar o tenta,
A nado, se preciso, abre caminho,
Deixa-se a terra, o lar e vai sozinho.

O mar não é mais forte que a tormenta
E parte sobre as ondas, qual golfinho,
Ao encontro do sonho em novo ninho.


SONETO XII
Vivo como quem vai e não retorna,
Após tão longo andar no curto espaço,
Que a viagem, circunscrita ao meu abraço,
Cabe na solidão da praia morna.

A vida que procuro a dor contorna
No miasma que amarra, ao mesmo laço,
A carícia da mão, que afaga o braço,
A ânsia dum amor que tudo adorna.

Sinto um véu de penumbra que se esgarça
Em fiapos de nuvem em céu distante,
Moldando a silhueta do imigrante

Que a tua imagem doce não embaça,
Atravessando o mar, qual navegante,
Para alcançar a vida mais adiante.


SONETO XVII
As carpas da água mansa envelheceram
Pois, já não nadam mais, e até parece
Que a morte destes peixes acontece
Só porque de nadar desaprenderam.

Se estas coisas, de fato, aconteceram,
Esta ausência das carpas obedece
A ordem superior que lhes dissesse:
- esqueçam de nadar...então, morreram.

Morrendo de saudade, inconformadas,
Rumando ao paraíso, ali, juraram
Permanecer em prantos e imploraram

Aos anjos e às potestades acordadas
Que, em concilio, reunidas, concordaram
Em receber as carpas que te acharam.


SONETO XXIV
Ruidosas maritacas, barulhentas,
Debicavam bananas escolhidas
Nas tristes bananeiras já sofridas
Por aves tão vorazes quão violentas.

Periquitos, em bando, iguais tormentas
Iniciavam nas suas investidas,
Disputando o lugar às atrevidas
Maritacas, tão lestas quão atentas.

E, nessa babilônia de galreios,
Neste piar dolente, ao desafio,
Nesta airosa disputa ao arrepio

Da ordem e da bagunça, em tais anseios,
Passávamos o tempo ouvindo o pio
Das agitadas aves ao alvedrio.


SONETO XXVI
Dissiparam-se as nuvens nesta noite
Em fiapos esgarçados pelo vento,
Só rastros me deixaram de tormento
A fustigar-me a alma como açoite.

Nem lobo sem a toca onde se acoite,
Vagueando sobre a neve, a passo lento,
Encontrará guarida no relento,
Procurando lugar e, ali, se amoite.

Me vi atormentado e tão aflito
Ao redor de mim mesmo e não sabia
Que o sol durante a noite não se via

E ninguém escutava este meu grito
Pela simples razão de que dormia
O triste pesadelo que temia.


SONETO XXXIV
Garoa mansa e fina cai na rua
Num ritmo cadenciado e incessante,
O corpo me fustiga a todo o instante
E a alma sacoleja pobre e nua.

Sarjado em lanhos ocres como a lua,
Que a noite soluçou agonizante,
Os passos decalquei de caminhante
Que se atirou à vida e continua.

Restaram só pegadas, nada mais,
Decalcadas no pó argamassado
Com sangue e, no suor, tudo ensopado,

Ao gorjeio das aves matinais,
No solidário amor amalgamado
Que, na alma, me deixou assinalado.


A ÚLTIMA PÁGINA
Por derradeira ser, aqui descansa
A página final dispersa ao vento,
Condensando meus versos sem talento
À luz bruxuleante da esperança.

Por mares naveguei que a alma alcança
Rasgando longas rotas de tormento,
Por oceanos de angústia e sofrimento,
Antes de recolher-me à barra mansa.

Nos rescaldos ardentes do deserto,
Em marchas alongadas, quão imensas,
Alcancei, finalmente, o rumo certo

E o caminho rasgou-se a céu aberto,
Com o sol clareando as rotas densas
E Deus, que andava longe, ficou perto.


Escritor luso-brasileiro radicado no Brasil, São Paulo, onde reside, formado em Direito pela USP (São Francisco). Escritor e editor, poeta e ensaista, romancista, crítico literário, palestrante. Romances editados: Pé de Boi, Pata de Homem (esgotado), O Cristo do Braço Quebrado (esgotado), O Mameluco(romance histórico), João Ramalho memórias dum povoador (romance histórico-esgotado), O solitário da montanha (romance de reflexão introspectiva e mística). Padre Antônio Vieira, o mestiço (romance histórico-biográfico -edição a sair este ano por Lisboa) Contos do Dia a Dia no Vale do Paraíba(esgotado),Os Filhos da Rua, O Menino e a Rosa (esgotado). Poesia: O Silêncio do Mar Salgado, O Achamento do Brasil, Carmen - 47 sonetos + um. Ensaios: Graciliano Ramos Vida e Obra, A Invenção do Mar (Leitura dum clássico - no prelo). Contos: Contos do Dia a Dia no Vale do Paraíba (esgotado), Os Filhos da Rua, O Menino e a Rosa (esgotado). Muitos outros(poesia e prosa) aguardam oportunidade para publicação. Os sonetos aqui reunidos fazem parte do livro "Carmen - 47 Sonetos + um", de recomendável leitura. Contato: vasco.s@terra.com.br