quarta-feira, 5 de setembro de 2012

MATEUS FERNANDES




Areia

Na presença do mar me esqueço de tudo.
Até de coisas que nunca soube.

Acho que tudo que juntei nestes textos, não deve representar nada de quem sou.
Ou, mesmo quem fui.

Apenas é o que o mar um dia me trouxe, e logo me furtou.
E trouxe de novo.

Diria talvez, que seriam pequenos resquícios de um coração já muito sujo, que ainda luta para bombear sangue.

E não é que me furtou de novo.

Alguns pensarão na areia, no mar, no coração.
Eu nem sei mais no que penso. Apenas deixo-me molhar novamente os pés descalços.

Deixo o mar trazer e levar tudo que escrevi.


Cego

As Vezes sinto falta do seu cabelo laranja.
De ponta loira
e raiz preta.

Mas meu coração não sente.
E o que é que sabe meu coração?
Ele nunca entendeu esse seu lábio fino,
nem esse seu olho claro.

Lógico que não entendeu,
ele nunca o viu.


Seriam apenas três atos

Eu nunca saberia o que seria de você.
Mas, se desse certo,
nosso amor duraria todo o tempo de uma entrevista.
O Meu jornalista ia te encher de perguntas.
E eu nem saberia quais perguntas.
Você cansaria.
Não responderia. Tudo que seria nosso sumiria.

Mas, se desse certo,
nosso amor duraria o tempo de um filme,
que veríamos antes do coito.
E então o ponto alto seria,
os versos do poema que eu sussurraria no seu ouvido sem fôlego.
E eu decoraria um novo verso a cada noite.
E nosso amor duraria até eu não entender mais o que dizia.
E você se levantaria.

Mas, se desse certo,
nosso amor duraria o tempo de um disco.
Que eu esperaria você ouvir para saber o que achou.
O nosso ponto alto seria,
o momento em que você cansaria e ouvir meu samba.
Meu coração não entenderia seu desleixo com meu disco.
E eu retiraria a agulha sem entender o que acontecia.


Alfabeto
Para Carlos Drummond

Não, meu coração não fala comigo.
Mas, eu é que falo com meu coração.
Se falasse, eu não entenderia.

Que língua falam os corações?
O que será que diz o coração do homem atrás do bigode? 


Vermelho

A coisa mais insensível que eu posso excretar de mim é um filho.

A coisa mais humana que posso produzir é sangue.


Água de mar

Vivo uma tarde vazia,
assim como um copo de aguardente
em meio a sede do mar.

O suor desce levemente
percorrendo meu corpo inteiro.
O calafrio me comove. Me perturba.

Como pode sair tanta água de um ser vazio que nem eu?

Se hoje estou vazio é porque antes amei aurora, aurélia, amélia, esperança, edilamar, rose, ruth, nana.
Amar é perder-se de si mesmo a cada dia.


Escuna do adeus

E a praia continua suspirando
com  chegar das ondas a sua margem.

E o ar entra e sai com o carinho dos alvéolos,
que levam tudo embora, como onda de mar.


MATEUS FERNANDES é jornalista e escritor inédito, um dos novos valores da Literatura do Vale do Paraíba (Taubaté-Campos do Jordão). Os poemas acima fazem parte da coletânea "Fotocópias de um Coração". 




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