sábado, 5 de março de 2011

LUIZ OTAVIO OLIANI


MÃOS DESUNIDAS

não serei o poeta do passado
embora dele me alimente

canto o presente
que Drummond não vê

nada de serafins
cartas de suicida
-os homens aterraram
a palavra amor
num canteiro de obras

as mãos desunidas
traduzem: os espinhos
inda sufocam as flores


CASA

faço do silêncio
a morada do ser

não lhe digo
palavras duras
nem amorteço quedas

apenas guardo
a concha
em que abrigo
a solidão dos homens


LEGADO

quando eu me for
ficarão as palavras
-aprendizado em surdina

no fundo do peito
dos ancestrais
entre lírios e versos
lição guardada:
engenho fincado à terra


desPERTENÇA

o que escrevo
não cabe em mim
extrapola o sopro da língua
e se faz terra
enquanto sou ar

com raízes fincadas
a palavra não aterrissa
brota qual semente


VIAGEM

entre preces
e véus
a roupa
esconde o nada

as flores calam
o banquete
inda a ser servido

por trás
dos óculos
a postergação
da nova casa

o morto já tem a dele


O TESOURO

nada fica em mim
mas nas cartas
que o temo envelhece

tudo dorme
no silêncio interior

onde está a chave da palavra?


FAXINA

a menina varre os dias
tenta limpar
a própria escória

como espantar o pó,
livrar-se do fardo?

longe daquela casa
passa o amor


ALTO-MAR

teias de solidão
no oceano

o navio não mais atraca

de nada servem
a âncora enferrujada
o mastro sem bandeira
a quilha
o radar

todos se foram

só o mar permanece
cúmplice dos desamores do mundo


RESGATE

como posso resgatar
o que não existe em mim?
ao beijar a solidão
eu me dispo por inteiro
da escória que é o homem
na inútil tentativa
de ser Deus por um minuto


Luiz Otávio Oliani cursou Letras e Direito. Consta em mais de quarenta antologias de literatura. Participação intensa em eventos literários, jornais, revistas do País e do exterior. Recebeu mais de 50 prêmios. Publicou "Fora de órbita", Editora da Palavra, poesia, 2007, orelhas de Teresa Drummond e prefácio de Igor Fagundes; livro recomendado pelo Jornal de Letras, editoria dos acadêmicos Arnaldo Niskier e Antonio Olinto, em outubro de 2007. Em 2008, teve o poema "Teresa" musicado por Maury Santana no CD Música em Poesia, volume 1. "Espiral", com prefácio de Reynaldo Valinho Alvarez, orelhas de Astrid Cabral e foto do autor por Eloísa Batelli, é o segundo livro de poemas do escritor, publicação da Editora da Palavra, 2009. Tem poemas traduzidos para o inglês, francês, italiano e espanhol na Revista Ponto Doc número 7, edição de 2009.

4 comentários:

  1. Graças ao seu blog, conheci a poesia de Oliani, uma poesia que vale a pena.
    Entramos em contato e trocamos nossos livros. Fiquei muito feliz com a troca.

    bj

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  2. Admiro há muito tempo a poesia do Oliani e fico feliz de vê-la divulgada também aqui. Abraços ao poeta e ao editor do blog.

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  3. Oi, Benilson, com certeza, o blog, que já era bom, ficou ainda melhor com a apresentação de um dos grandes poetas contemporâneos. Oliani, há muito, merece ser lido pelo grande público, que poderá aplaudir - como ele merece - a sua poesia lírica, enxuta, humanamente verdadeira. Parabéns a vc pela sensibilidade da escolha. E a todos nós, leitores, que podemos chegar mais perto da beleza dessa poesia.
    Obrigado. Abraços do Tanussi Cardoso

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  4. Acabo de conhecer e já me encantei com seus poemas, a maneira simples de descrever o visível e o invisível.

    Obrigada Benilson!

    Beijos

    Mirze

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