sexta-feira, 17 de junho de 2011

RITA ELISA SEDA


AMEAÇA

Os corvos voltaram...
porque o milho brotou.

Os corvos voltaram...
porque a fome aumentou.

Mas, eles não sabem,
nem imaginam...

Agora o espantalho
sabe atirar!


CAMUFLAGEM
para minha mãe

Untada de citronela
Vagueio pela mata,
O ar puro
Me dá vertigem.
O som dos pássaros
Penetra meu silêncio.
O vento nas folhas
Sacode minha memória.
Sou novamente feliz.
Pés descalços, chapéu de palha.
Correr atrás da borboleta azul,
Catar joaninhas,
Cheirar as folhas,
Abrir os braços, penetrar no mistério.
Tornar-me verde, enraizar desejos e
Nas veias -seiva!


TOTEM

O pó anseia pelo gosto das lágrimas,
Os dedos ágeis moldam a argila,
Dão forma ao barro.
O fogo devora a madeira,
A chama vitrifica a obra.
Se é bom, coloca-se à direita,
Se é ruim, coloca-se à esquerda,
O artista comove-se,
Lágrimas ponderam a criação,
Nada vale,
Nada valeu.
Sem o sopro
Não há vida,
Não há nada,
Não há obra,
Reles Mortais.


ANFITRIÃ
para Cora

No meu jazigo
Há um jardim secreto
Que nasce das raízes
Dos ossos porosos,
Dos cabelos crescidos
E das unhas brancas.
Ali tudo é possível.
Encontram-se
Pretos e brancos.
Pobres e ricos,
Felizes e infelizes.
Ali encontra-se a certeza.
Na lápide verde formada
-rastros de Perséfone-
Coralina da vida,
Poetizando mistérios.


AS MÃES DA PRAÇA DE MAIO

Há muitas décadas
na praça de Maio elas marcham
Mostrando suas dores.

Ali também choram Marias e "Clarissas"
No solo argentino.

As Mães da praça de Maio.
Quinta-feira,
O silêncio ecoa no murmúrio
Dos passos.
A lembrança dos filhos amados.
As Mães da praça de Maio.
Na mortalha dos pensamentos,
A fralda do amor jamais esquecido,
E jamais encontrado.
Choram...
Choram na praça de Maio.


ROÇA

O besouro voa até o bambuzinho,
A folha, intrépida, balança boas-vindas,
A borboleta vermelha suga a vida do agapanto,
O marimbondo-cavalo sacia-se numa pitanga.
No pasto,
O boi revira a grama
Seguido pela garça.
O beija-flor penetra o lírio selvagem,
Pousa na pereira e esgrima o bico no
galho.
No pasto,
A garça segue o boi e
O boi revira a grama.
Os cães ladram, mas a charrete passa.
O tucano se esconde na mangueira
E deixa o bico à mostra.
A abelha desnorteia meus pensamentos.
No pasto,
A garça-boi revira a grama
Mas não voa.
O cheiro ácido de uvaia pisada
Desperta meu paladar,
No primeiro instante -lanterninhas amarelas
Depois, o caroço cuspido, e
O néctar para a digestão.
Isto é vida,
Isto é roça,
Recanto de Minas.


MIRAGEM

Rasgaram o céu
e canalizaram
o azul
numa sinuosa vala.
Há bençãos acumuladas
captadas no horizonte.
O céu tocou a terra.
A terra acolheu o céu.
Esta é a hora
este é o dia,
navegar no azul.


FORTALEZA
para as Anas

Cheguei e já te conhecia,
Provei-te sabor requintado,
Deslumbrei-te verdes olhares,
Escutei-te pássaros coloridos,
E amei-te terra bendita.
Teu céu é mais azul,
E teu arco-íris noturno,
Prevê um dia de chuva.
Tua água cristalina
Incrusta pequenos tesouros.
Desvendei-te alguns mistérios,
Ruínas de Ouro-Fino,
Capela de S. João Batista,
E a encantadora Serra Dourada.
Descobri num belo sorriso
Que as forças de Goiás
Chamam-se Anas.



Escritora e fotógrafa, Rita Elisa é autora de Raízes de Aninha (com Clóvis Carvalho Britto, biografia de Cora Coralina), A Menina dos Vaga-Lumes (com Sônia Gabriel, biografia de Eugênia Sereno) e Retalhos de Outono (de onde foram extraídos os poemas acima), entre outros. Integra a REBRA, UBE e AVLA - Academia Valeparaibana de Letras e Artes, que ajudou a fundar. Membro da Academia Joseense de Letras, escreve em diversos jornais e sites. Contato: http://palavrasdeseda.blogspot.com .

7 comentários:

  1. Uma poesia contemporânea e com estilo diferente e original, densa e sensível. Valeu a leitura. Um abraço, Yayá.

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  2. Ler Rita Elisa, é andar por entre árvores, sentir suas raizes profundas e saborear os ares trazidos pelo vento.
    Sempre se aprende com ela.
    Norália

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  3. Nossa, Yayá, que alegria ler sua interpretação à minha poesia. Obrigada. Beijos, felicidades e a paz!

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  4. Obrigada pelas gentis palavras, Norália. Também amo ler seus textos. Saudades! Felicidades e a paz!

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  5. Parabéns Belinson Toniolo, pela escolha deste poemas de Rita Elisa Seda...São poemas de extrema beleza, sensibilidade e espiritualidade!!!
    Poemas que nos encanta e cala em nossos corações em nossas almas!!!
    Retalhos de Outono - Maravilhoso liro: EU RECOMENDO!!!
    Ritelisa...sempre lembrada e reconhecida por seu trabalho.
    COM CERTEZA FAZ A DIFERNÇA ENTRE MUITOS ESCRITORES!!!
    Beijos, forte e carinhoso abraço, Rita Elisa e Benilson!!!

    Silvinha

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  6. Silvinha, querida amiga/irmã, você conhece bem o livro Retalhos de Outono. Aliás, eu já plantei as mudas de plátanos lá no sítio... em pleno inverno. Beijos, felicidades e a paz!

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  7. Que legal Ritelisa, minha amiga-irmã!!!!
    Com certeza, nossos plátanos selarão nossa amizade ... para sempre!!!

    Beijos, forte e carinhoso abraço...

    Silvinha

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