PORTARIAS
Febre que o queimasse,
um trago.
Às vezes nem isso, apenas saliva,
mineral de sob a língua,
veio que não se esgota. No chão,
entre duas portarias,
algo que se move.
Às vezes nem isso, embrulho
de peleja e mal cheiro,
imóvel no asfalto,
carga
a postos para o rabecão da prefeitura.
Ali,
agora.
Depois, em nenhum lugar.
RELIGARE
Estes metais
cruzados
para pouso de um homem,
no fundo da casa,
ofuscam
a fome circundante
fora,
na crueza do asfalto
a multidão de crucificados espera.
TREINO
Em lugar da casa,
espaço sob a laje,
no exercício da escuridão,
o estudo da estreiteza:
menos de sete palmos
pouco acima do asfalto.
CEGUEIRA
Seu sol de catadora,
luz encardida nas calçadas,
gira numa galáxia
de papelão e alumínio,
rendendo trocados
para a quentinha
comida fria
sobre a toalha do asfalto,
um sol ocasional
porque nem tudo é caixa,
nem tudo é cerveja
ou suco de coca,
e de repente se apaga
cegando universos.
DESACATO
Não que haja perfume
no podre das comidas
nas latas,
não que seja bela
a carne raquítica
dos homens do asfalto,
não que necessariamente vistam
esses andrajos
de carcomida tez,
não que agradem
sarcófagos de cobertor
abrigando corpos,
não se olha isso
por ser bom moço
ou masoquista.
Acontece que
a realidade não põe tapumes
nas descontruções das ruas.
Ver desacata vontades.
FOZ IMPOSSÍVEL
Ruas como rios na geografia da urbe,
A massa de asfalto como água.
Imitando peixes, bípedes sem rumo.
Sons submersos de sirenes, motores, vozes.
Não há mar que pacífico aceite o despejo.
O carioca Sérgio Bernardo, seguramente, encontra-se situado, na literatura brasileira contemporânea, como um dos que. Jornalista. Poeta. Contista. Premiado no Brasil e no Exterior. Artista múltiplo e loquaz, escreveu "Caverna dos Signos", livro publicado a convite da Secretaria de Cultura de Nova Friburgo (RJ), onde mora. Os versos acima são de seu mais novo trabalho, "Asfalto", onde o Poeta, sem meias-palavras, nos convida a deixar a zona de conforto e ver o que há por trás do que pensam guardar nossos olhos. Contato: sergbernardo@ig.com.br
Tenho insistido a alguns colegas aqui de são Paulo, que só veem literatura nos grandes centros, que a literatura feitas nas bordas, nos periféricos, está superando em muito em produção e qualidade.
ResponderEliminarO Sérgio é um bom exemplo disto.
A poesia do Sérgio eu já conhecia e acompanho com muito prazer. Ele é original, profundo e domina as letras como ninguém.
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