terça-feira, 4 de maio de 2010

MAURO VALLE


LI

Era girassóis o arroio
E as ovelhas sombras
Voltavam de tão antigas
Campinas
Mundo céu
Solidões erguidas
Por tudo o que é asa e faísca
Quando o menino
Crepúsculo
No porto de meu peito
Se tornou
Meu calabouço
Ave natureza
Consumida de branco
O luar brotava
Do arvoredo


XLII

Amar os homens
Buscar a pátria do que não cremos
Que teares somos?
Que solidões sem nome?
Pobres pastores de moinhos
Se morremos
Por raízes que não vemos
Tristes passageiros
Do chão sereno
Que nos acolhe
E nos tornamos
Passarinhos

Maldito livro que me coroa de angústias


XXXVI

Os rios de teus cabelos
Anoitecem minhas mãos
Ardo a paz de existires
Assim como as noites ferem
Como edifícios que ladram
Dentro e fora de meu peito
Entre as guerrilhas inúteis
Que me cobrem de insônia
Que paradoxos carrego
Quando ouço o oriente
De tuas lentas planuras
Vejo em teu centro essas sombras
Essas miragens que cegam
Ah sagração que me perde
Não posso te dar quem sou
Tantos mundos em meu peito
Vertem causas malogradas
Que fizeram de mim, serena?
Arrancaram o meu nome
O hino de meus olhos tristes
Que hoje postos em ti
Cantam todos os exílios
Não sofreste o que morri
Quando professei a vida
Por amor do que existe
E me comove nos seres
O rio de me chamares
Vicio, raiva, cavalgares
Que sou para que me esperes
Qual senhor, o passageiro
De teus anos derradeiros?
A mensagem de me amares
Dorme à flor da serrania
As palavras que te olham
Minha voz de cimitarras
Vozes nômades do dia


XXVIII

Garças de Tremembé
Clareai a minha hora
Ó arrozais erguidos
Na solidão da planície
Tecei para mim
Portas de vento e verdes
Um riso que seja o rio
Da serrania de meu coração

Vinde, meus irmãos
Ouvir as alvoradas
Que os homens não quiseram entender
Eles enganam, matam, corrupiam
À luz da salmodia
Cifrão

Garças de Tremembé
Irmãs da inocência
Que às vezes perdi
Quem sou senão esquecimento?
Que sois senão as asas que me restam?
Vosso vôo em branco
Antigo chamamento
Agora é meu ser amanhecendo


VII

Quando o olhar desta morada
Pousou em minha face
Eram cravos os caminhos
Que levavam ao outeiro
E música o atalho
Que me trazia ao limiar da noite
E me olhando longe
Me acenou esta morada
Com seus beirais de pinho
Com as empenas fulvas de repente
E me saudou demorosa
Com as hortênsias curvadas sobre as leiras
Onde doía-lhe o júbilo das cores
E, parecendo dizer, já por trás da nevoa
Numa braçada de vento
Que triste era a sua paisagem sem mim
Logo recolheu a sua mágoa
E deixou o luar cobrir-lhe
As mãos serenas
Um renque de açucenas
Quando viu buscarem-me os aprendizes
No centro da capoeira
E o galo cantou em seu cercado de verbenas
Quando já nos recebia o Oriente


XXV

A casa que me coube por inverno
Fica ao pó do outeiro
Estar em seu recinto
É como encontrar o dia
Na voz dos seres mais serenos
E o sol das paragens mais amenas
A casa que me coube por inverno
Ergueu-se no vão de cem jornadas
Por negros forros do lugar
E pelo mais brando alarife
Que o Montemor foi contratar
Numa vertente do Pinhal
A casa do inverno vindo
As janelas de par em par
Para a banda cismarenta dos cedros
A casa tão próxima
Deste outro fado raiar
E tão longe do chão
Que me vai recolher?
A casa ao pé do outeiro
A varanda era manhã
Seu guardião o serenar
A casa do muro circular
A porta alguém abriu devagar
A porta noturna, a face da morte a fitar



Autor dos livros Diodiá-Vertente Serrania, Salmos Proscritos, Marédia e Cantos do Arco da Serrania (sob o pseudônimo de Terêncio de Évora) –entre outros.

3 comentários:

  1. Caro Benilson Toniolo, minhas congratulações por mais este tão necessário trabalho. Peço-lhe que pince uma das minhas humildes poesias e poste neste blog. Agredeço antecipadamente.
    Abraços Poéticos.
    André Bianc
    www.andrebiancpoeta.blogspot.com

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  2. Amei a sua iniciativa de dividir conosco poesia contemporânea.

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  3. Caro Benilson. Muito bom encotrar Larí e Mauro com tão belos poemas. O Larí amigo e velho conhecido de correspondência poética. Escritor de valor e sentimentos nobres. Um abraço. Amélia Luz

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