segunda-feira, 10 de maio de 2010

DÉBORA RIBEIRO


O ERRO (parte II)

O erro é meu também.
Essa casca humana sujeita à destruição.
Compreendo o que sou porque erro.
Compreendo o choro dos que choram.
Queria dar-lhes consolo,
Mas sou eu quem lhes fere a carne.
Edificar a vida...
Como imaginei no princípio;
A vida é para ser boa,
Não é para ser estragada
Com pequenas misérias e condenações.
E, no entanto,
Mil cairão ao teu lado
E dez mil à tua direita.
Eu sentirei todas as dores.
A despeito de tudo
Permanece a ordem: edificar a vida.
Eu, que provoco a destruição:
Eu-erro,
Eu-queda.
As mulheres e crianças choram;
É por minha causa que choram.
Ah! Essa condição humana!
Desespero de mim,
Perdoa-me.



TALVEZ SER

Um ser quase morto pelo seu não ser
Um ser ou não ser
Ou não sei
Ou não penso logo não existo
Não nunca


Um ser na fronteira do abismo
Entre não existe ainda e não existe mais
Não existirá jamais
Talvez é o grande medo
Não existirá
Mas existirá talvez


Um ser está aí e espera
Porque o não ainda
Da existência em semente
É mentira ou não ou sim
E quase explode em poder que não se expande e morre
Porque não ainda
E talvez não jamais
Mas talvez ser



MECANISMO

O certo
O absolutamente certo
O hermético
O matemático
Pequenos compartimentos de acerto
Cada certo em seu lugar
Monótona harmonia
Monótona até à morte
Mas uma dissonância: o amor, ah!
Maravilhosa dissonância...
E redime tudo!



TOTEM

O homem estabelece a si mesmo como padrão.
Devasta,
Devasta,
Devasta,
E reconstrói tudo
À sua imagem e semelhança.
O homem se olhou no espelho
E depois olhou para o mundo,
E viu o homem tudo quanto havia criado,
E eis que era muito bom.
Mas é claro que ele não consultou
Uma segunda opinião
E ainda tapou os ouvidos
Por precaução.



TESTAMENTO

Deixo-te minhas cadeias
Não por gosto
Apenas é que não tenho os campos
Nem as águas para teu descanso
Tenho só esse deserto e seus espinhos
Que te deixo de herança

Queria deixar-te os frutos
Para teu deleite
E dos teus pequeninos
Os campos para tua alegria
De vê-los correndo e rindo
Queria deixar-te a força e o gozo
Um lindo jardim para cultivares com teu amor

Mas eu te deixo
Essas paredes estreitas e o meu medo
Essa terra seca de não saber amar
Um jardim devastado
Não tens culpa

Talvez eu não tenha roubado de ti a coragem
Talvez sejas forte
E conquistes os campos
E um jardim floresça pelo teu amor
Talvez alcances para teus filhos o que apenas
Desejei para ti

Bem sei
A herança que te deixo é parca
Se fracassares (tente outras vezes)
Estás livre de toda culpa



CIDADE (Campos do Jordão)

Cidade das minhas lutas.
Aqui encontrei as folhas secas do outono
Sobre as quais deveria pisar
Enquanto calcava os pés sobre minhas próprias chagas
Até torná-las rijas,
Até calar toda dor e toda queixa.
Aqui percorri caminhos,
Subis os montes descampados
De onde uma vez bradei: bendito
O Criador de toda a Terra!
Aqui conquistei as calçadas desertas nos meses
Da cidade silenciosa,
O solo feito sagrado pela minha solidão.
Benditos os dias cinzentos da cidade.
Bendito o solo pedregoso e úmido.
Benditas as folhas que caem.

Por onde estive todo esse tempo?
Estive contemplando o cinza intenso e grave
Sobre as árvores escuras.
Algumas vezes vi um último raio de sol
Sobre o verde iluminado,
Beleza que me foi dada nos arredores da cidade.
As dádivas das nuances do céu,
Todas elas se derramaram sobre mim.
Aqui, tantas guerras silenciosas me fizeram
Débora.

Olho o relógio da praça sob o céu azul e o ar ameno,
15:50h.
Muitas vezes na cidade eu temi o futuro
Mas agora digo: a vida!
Muitas vezes fui levada para o meio da multidão
Para ser vendida aos valores dos homens.
Tantas vezes sucumbi sob o jugo das verdades
De longe
Nesse mesmo palco da cidade empobrecida:
Comprar e vender.
Olhos baixos sobre o dinheiro,
O mercado das almas.

Mas hoje, enquanto todos repousam,
A mim me foi dada a luta.
As forças do céu se reúnem,
Todas as nuances do céu,
Em meu socorro.
As silhuetas das montanhas me fortalecem,
Todas as árvores, todas as flores.
Trago na memória as alegrias da cidade.
Aqui a beleza se oferece à vida,
Eu me alimento da beleza
E ofereço meus lábios para dizer: a vida!



Paraibana de João Pessoa, radicada em Campos do Jordão, autora de “Minhas Impressões”.

2 comentários:

  1. Lindas poesias continue totem é a que mais gostei mas todas são boas, vc tem a sencibilidade nescessária para brincar com as coisa que saem da alma.

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  2. Débora Ribeiro, que "Testamento" é esse ? Maravilhoso... Gostei de todas, "Totem" é premiada. Parabéns.

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