quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
MÁH LUPORINI
LEMBRANÇAS PERDIDAS
Deito em um campo verde
Observo as horas mortas da noite
Mergulho em meus pensamentos
que como a onda do mar
trazem lembranças perdidas
que guardo numa gaveta
trancada a sete chaves.
Desperto com o toque suave
da brisa,
Hoje, vivo na incerteza da vida
como uma folha seca que o vento carrega.
PENSAMENTO
Vivo como o vento,
Não sinto meu pensar.
A poesia é meu ópio na melancolia
de rendas noturnas.
Versos rebentem
no meu jardim sombrio.
CONFISSÕES I
Tenho passado por situações em minha vida
que não sei como explicar,
dúvidas existenciais.
Começo aqui com um verso do meu guru
Fernando Pessoa que dá voz á Bernardo Soares
no Livro do Desassossego que diz:
" De repente, estou só no mundo"
É assim que tenho me sentindo ultimamente.
Seres humanos são complexos,
horas querem, horas não,
mudam constantemente de opinião.
Não consigo me encaixar dentro de tudo isso.
Não sou normal, também sou muito complexa
em relação a vida, amores, etc.
Se nós jogamos para a vida,
o tombo é dolorido e se ficamos
neutros em relação a ela, sentimo-nos sós.
E então, o que fazer? Não sei como reagir.
Fantasmas me surgem cotidianamente,
sombras inquietas me surgem no silêncio adormecido.
Se durmo, elas me assombram,
se acordo a claridade,
as pessoas me assombram.
Queria ter asas para voar
como uma borboleta sem destino
ou um pássaro que não tem certo o seu pouso,
me fariam feliz.
Veria o mundo do alto das campinas,
teria o silêncio e o azul vago sobre mim.
E no fim teria um descanso,
como as flores do meu jardim.
À memória de
Ana C. Cesar
Folha branca
espera a queda
de tua ausência
* * *
Letras marcham no pálido quarto
bebo-as em versos
crio asas e regresso ao blecaute do meu corpo
Á memória
de Roberto Piva
Furacão
que silenciou
as asas do tempo
SOLIDÃO II
Encontrei-me
Recortando a solidão
Nas horas que me vestem
Armazeno tua nudez
entre cálices e bilhetes
* * *
O tempo é um suicídio
de palavras, onde me
E q U i L i B r O
INSÔNIA
Rendas mudas
tricotam
a noite
Os três últimos poemas são do próximo livro de poesias da poeta Máh Luporini, para ser lançado em 2012. Ainda sem título definido.
Poeta e jornalista do jornal cultural “O GRITO”, iniciou seu trabalho literário em 2009 no Espaço Cultural Chico Triste, da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, de São José dos Campos onde integrou o “ESPAÇOPOEMA” com suas poesias. Em 2010, teve seu livro de estréia “Ausências” (poemas- Ed. da Autora) lançado na 3º Edição do Festival Literário “Diálogos na Literatura” integrando o espaço “Cassiano Ricardo” no distrito de São Francisco Xavier, SP. Tem poemas publicados em vários blogs e sites de literatura na internet. Teve participação do DVD “Vozes Daqui” durante a 43º Semana Cassiano Ricardo em 2009; Menção Especial no VIII Concurso de Poesia “Poetas do Vale” realizado na cidade de Taubaté, SP; Participação na 44º Semana Cassiano Ricardo no evento “Todas as Letras de São José” em 2010; Participou da 21º Bienal Internacional do Livro de São Paulo onde teve alguns de seus poemas no livro “Cronistas, Contistas e Poetas Contemporâneos” (Série Safira) do Projeto Literário Delicatta com a participação de outros escritores. Participou do projeto “Ciranda de Poesia” organizada pelo Ponto de Cultura Bola de Meia, em julho de 2011. Reside na cidade de Monteiro Lobato, SP. Natural de São José dos Campos. Colunista do site “ENTREMENTES”; http://entrementes.com.br
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
LEANDRO MONTEIRO DE OLIVEIRA
UM VASO
UM VASO,
UM CACO,
UM FURO,
AI QUE DOR!
TROVA AGNÓSTICA
O meu céu só tem estrelas,
Planetas, sol... Nesse cosmo
De infindável Existência,
Cuja verdade é os olhos.
TÍTULO
Pode ser curto
Ou um pouco mais longo.
Não é poesia, conto, romance, artigo de jornal ou qualquer texto...
Já que tem apenas uma linha.
Ele está na essência
(que, agora, está no papel)
Do cosmo, do mundo ao qual pertence:
Fatos, coisas, seres, gentes, conceitos...
Podendo ser tudo.
Assim, ele é o início de tudo,
O primo-verbo,
O verbo-nominativo
Que originou a existência
De um ser que antes não sabia que vivia.
E que, agora, vive.
O UNIVERSO II
Uma árvore morre,
Outra nasce. Deus consagra
A vida, a morte.
PROFECIAS
São como jarros de barro,
Debaixo de torneiras
A pingarem
Em dias ensolarados:
Por mais que o sol
Venha a evaporarem
As gotas d’água,
Cedo ou tarde,
Os jarros as transbordarão.
FESTA SOTURNA
As noites vêm
As horas passam
As rodas cantam
As balas dançam
Todos os dias
Todas as noites
Neste Brasil...
As noites ouvem
As horas passam
As rodas cantam
As balas dançam
Em tênues pistas
Cinzas, bucólicas
E citadinas...
Onde os valentes
Refutam carros
De quem oferta
Contudo, mudam
Os que interessam
(Muito para eles)
Nesta soturna
Festa noturna...
Onde o silêncio
É a casa, abrigo
Pra violência
Som estridente
De cujos gritos
São magnas músicas
Das ações sujas...
XIII (DE ALQUIMIA DO NONSENSE)
Vassoura varre as estrelas
Aspirador suga as massas negras
Eu agora sento sobre a mesa rasa
Comendo o tempo
Que me alimenta
E me mata
Nasceu em Taubaté em 07 de novembro de 1983. Formado em Letras. Sua poesia aborda diversos assuntos como o amor, a religião, a política, a sociedade e a própria arte poética. Escritor com destacada participação no movimento literário taubateano contemporâneo. Contato: leandremon@bol.com.br
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
TATIANA ALVES SOARES CALDAS
OUTROS MARES
“Metade da minha alma
é feita de maresia”
(Sophia de Mello Brayner Andresen)
Metade da minh’alma é mar
E a outra, maresia
Vem o mar, e lambe a areia
Em sensual euforia
Destrói castelos na cheia
E na rasante esvazia
Metade da minh’alma é mar
E a outra, poesia.
UMA NOVA CANTIGA DE AMOR
Reclamas do calar de minha pena
Como se teu amor eu não cantasse
Como se um pequeno e vão poema
Desse conta do quanto eu te amasse
Não percebes que o silêncio é reflexo
De um sentir em palavras incontível
De um amar tão ardente e complexo
Que me torna tal tarefa impossível
Não preciso dessa trajetória errante
De provar, numa incessante ladainha,
Que nos braços do meu verdadeiro amante
Mais que Musa, eu me torno a Rainha
ERA UMA VEZ
E no final descobriu-se que o príncipe era um sapo
Coacha e resmunga durante o dia
Ronca feito porco à noite
E a princesa, coitada,
Rola na cama pensando na sua vida de conto de fadas
Pobre princesa!
Tivesse sabido antes,
E teria ficado com o dragão...
CERTAS NOITES DE ABANDONO
Certas noites de abandono
Daquelas que roubam o sono
Aquelas que têm lua linda
Noites em que a mágoa não finda
Certas noites de abandono
Verões com cara de outono
Serões com cara de ainda
Em que aguardo tua vinda
Certas noites de abandono
Pedem colo, querem dono
Mas tua voz me melindra
E a taça já não brinda
Certas noites de abandono
Convertem-se então em motim
E eu, triste, assisto ao fim
Desse rei que ora destrono
MULHERES DE ATENAS
(resposta)
Puseste em tua viola todas as mágoas que havia
Na cidade que condena a mulher à atrofia
Confinando-a em casa, numa eterna agonia
Impondo-lhes sempre o ritmo, uma vã monotonia
Seus lamentos são calados, marcados pela atonia
Seus presságios são malditos, tomados por histeria
Tapeçarias, bordados, da mulher que ainda fia
Que aguarda o retorno do esposo, numa lenta apatia
Fiandeira incansável, tecelã-melancolia
Enquanto o viril companheiro a sua volta adia
Mesmo a virgem inocente, a que de nada sabia
Vive fadada à mesmice de uma existência vazia
Banha-se em rios, ardente, e o corpo acaricia
Mas a cidade a vigia e a moral a denuncia
Pois é negada à mulher essa febre que arrepia
Não preciso, ó poeta, cruzar os mares de um dia
Para olhar esse retrato que te motivou a elegia
Não foste entendido, poeta, não te viram a ironia
Continuam a prendê-la, clausura sem alforria
É hora, então, de calar, de cessar a melodia
E esperar que isso não passe de uma eterna profecia
A MUSA E O POETA
Se algum machão a visse, tão ardente, quase em brasa
Cortar-lhe-ia a asa, mandá-la-ia p’ra casa
Se algum vassalo a visse, pensaria que é princesa
Render-se-ia à beleza, chamá-la-ia de Alteza
Se um fiel a encontrasse, qual sibila-profetisa
Deixá-la-ia indecisa, perdê-la-ia na brisa
Se um padre a encontrasse, logo assim tão gloriosa
Achá-la-ia briosa, metê-la-ia na tosa
Mas se fosse um poeta a topar com essa Medusa
Olhá-la-ia nos olhos, chamá-la-ia de Musa.
ODEIO QUANDO ME ESTRANHAS
Odeio quando me estranhas
Quando não ouves a queixa
Quando me fazes de gueixa
Quando as iras são tamanhas
Odeio quando me estranhas
Quando puxas as madeixas
Quando após o amor me deixas
Quando liberas as sanhas
Odeio quando me estranhas
Quando ignoras, calado,
Esse amor aprisionado
Que me corrói as entranhas
LIRISMO DA BOA MOÇA
Não tangerei uma harpa
E seus toques proibidos
A mulher do não-me-toques
Tem desejos reprimidos
Não tocarei uma tuba
Hedionda e assustadora
Invocando imagens selvagens
De uma mulher predadora
A cultura mata a bruxa
Mulher fatal é uma praga
Na inquisição literária
Só há lugar para a fada
Não posso usar a vassoura
Pois me lançam à fogueira
Meu lamento arde em chamas
Minha queixa é verdadeira
Tocarei, então, apito
Em sinal de bom protesto
Nele ecoa o meu grito:
Sou poetisa; não presto
FILHAS DE EVA
De Eva sou filha
Sou filha da vida
Trazendo nas mãos
A linha bandida
Sem grana pro esmalte
Temendo que falte
Um tempo pro filho
Mas sofro e resisto
Joelho no milho
Clausura, tortura
À fêmea que salte
Mais alto que o macho
Que voe acima
Que negue o capacho
De Eva sou filha
E dela herdei
O lado cadela
O fardo-costela
A louça, a família
Destino de filha
Lembrando, perene,
O delito solene
O odor de maçã
Sou filha de Eva
Maldita e expulsa
Que causa repulsa
Nos patriarcais
E peço meus sais,
Meus cremes, meus ais
Frescuras, tonturas
De fêmea ferida
De Eva sou filha
De um Éden perdido
Lugar sem retorno
Mas olho em torno
E sigo em frente
Não baixo meus olhos
Recuso antolhos
C’um meio sorriso
E danço e blasfemo
No meu Paraíso
Que envolve prazer
Que traz uma cica
Sabor agridoce
Da gana da vida
REDEMOINHOS DE MIM
Não sei se foi Deus ou o Diabo
Não sei qual será o meu fim
Adentro sertões e riachos
Enfrento um mergulho em mim
Num disfarce-cangaceiro
Minhas trilhas são assim:
Mulher-dama ou donzela
A guerreira Diadorim
Desprezo laços e rendas
Com aroma de alecrim
Por entre rochedos e fendas
Escondo a mulher que há em mim
Busco trilhar várias sendas
Qual bacante num festim
Ao sabor de vários ventos:
Redemoinhos de mim
DELÍRIO
Batidas na porta:
Aldrava
Ofício maldito:
Escrava
Vulcão que se agita:
A lava
Voz que se liberta:
Destrava
Delírio poético:
Palavra
DE CÔNCAVOS E CONVEXOS
Deixa eu ser a tua bússola
Já que tu és o meu Norte
Deixa eu bancar o artífice
Já que tu és o meu ouro
Deixa eu ser a tua cúmplice
Já que tu és o meu crime
Deixa eu ser o teu vértice
No ângulo reto da vida
Deixa eu ser o teu cálice
E bebe em mim o teu prazer
Deixa eu ser a tua música
E me toca em harmonia
Deixa eu ser teu porto firme
Já que és minha viagem
Deixa eu ser tua bonança
Já que és minha tormenta
Deixa eu manter a esperança
Nesse amor que me atormenta
ESSÊNCIA
Sou cética
Sou ética
dialética
E isso me torna patética
Sou prática
lunática
dramática
E isso me torna antipática
Mas também sou esteta
secreta
completa
inquieta
E isso me torna Poeta
MACHADIANAS – LV
Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura
Traz nos olhos oblíquos uma faca
Desperta em mim o germe da loucura
Cruel serpente, que surge e me ataca
Não compreendo, ó estranha criatura,
Mulher que dentre as outras se destaca,
Se és doença, se és minha cura
Se és meu mar, se és minha ressaca
E tal ressaca lançou-me ao rochedo,
À maldição de ser um Dom Casmurro
Agora digo, em forma d’um sussurro:
Morri por dentro! Eis o meu segredo
O meu ciúme não mais me estraçalha
Perde-se a vida, ganha-se a batalha!
SER-TÃO
Nos sertões desses Gerais
No meio do redemoinho
Enfrentando vendavais
E seguia o meu caminho
Sem jamais olhar pra trás
Buscava eu a verdade
Mais que Cristo, Barrabás
Eu roubava-me a metade
Nos buritis, no cangaço
Até o demo desafio
Ignorando o cansaço
Conquisto coragem e brio
A donzela travestida
Surge, oculta nas veredas
E eu, em busca da vida,
Vejo facas onde há sedas
Perco a bela Diadorim
Seus verdes olhos de mar
E vejo em seu triste fim
O amargo medo de amar
Chego, então, ao lado oposto
À outra margem do rio
E constato, a contragosto,
Que aqui também é vazio
Descubro então a verdade
Entre o vazio e o cheio:
Buscava a minha metade
Que sempre esteve no meio.
Os poemas acima fazem parte do livro Harpoesia (Oficina Editores, 2009), da Professora (especialista em literatura portuguesa) e Escritora Tatiana Alves Soares Caldas, uma das mais premiadas poetas brasileiras.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
CAROLINA RAMOS
TÃO PERTO... E TÃO LONGE...
Andaste bem pertinho de minha alma!
Tão perto, que cheguei a acreditar
Quem desta vez, alguém teria a palma,
De compreendê-la e dela se apossar!
Mas a aventura impôs-se em teu caminho,
Equívoca, a impelir-te em rumo incerto...
Partiste em busca de um banal carinho.
Restou a dor de um sonho mal desperto!
Chamei por ti!... E a brisa, com desgosto,
Murmurou confidente, ao meu ouvido:
- Esquece, tola, que eu te enxugo o rosto...
Deixa-o partir...o mais não tem sentido;
Se o adeus rouba o sorriso à tua boca,
A saudade e a ventura são rivais!
Deixa-o partir... Esquece... Esquece, louca!
Outro virá... e há de querer-te mais!
REVERSO
Se um verso meu chegar onde tu estás, um dia,
Fácil de adivinhar, dirá tua vaidade:
- Ela pensa em mim, rimou, porque sentia
No coração o agudo espinho da saudade!
Não gosto de mentir, calar é mais seguro.
Não direi sim, nem não... e nem sequer, talvez!
Porém, ao ler meu verso, em troca, eu asseguro:
Tu pensarás em mim... ao menos, nessa vez!
NAUFRÁGIO
Neste oceano da vida, tumultuoso,
Lancei, cheio de sonhos, um barquinho.
E ele flutuou e deslizou airoso,
Vencendo os empecilhos do caminho!
Nos momentos difíceis, sem repouso,
Depressa ia ampará-lo o meu carinho
E ansiosa eu via, com secreto gozo,
Meus sonhos desafiando os torvelinhos!
E chegaste! E de pedra era tua alma!
De papel, o barquinho... e tenso e mudo,
Ficaste, quando o mar perdeu a calma!
Contra o recife, o barco soçobrou!
E os sonhos, sem guarida, ao fim de tudo,
Um a um, impiedoso, o mar levou!
DELIMITANDO SANTOS
Manhã de sol, luminosa,
Dourando as águas do mar...
Brisa mansa... onda morosa...
Um barquinho a balouçar...
Nesse barco pequenino,
Os sonhos do pescador
Compõem o próprio destino,
Vencendo frio e calor.
Ao fundo, o azul horizonte,
Ilha das Palmas! E alçado
À frente Itaipu no monte
E a Serra do Mar, ao lado.
Ao centro, a concha serena,
De tão sublimes encantos,
Guarda pérola pequena
E tão valiosa –Santos!
E essa concha de ternura,
Sempre cercada de flores,
Oferece a alma pura
Na gama de tantas cores!
De norte a sul, leste a oeste,
Há perfume de poesia,
De orquídeas de aroma agreste,
Mesclado de maresia.
No porto, grandes navios...
Nas praias, verdes jardins,
Palmeiras, troncos esguios
Das alturas sempre afins.
E o azul por cima de tudo!
No altar do Monte, a Padroeira,
Com seu olhar de veludo,
Abraça a cidade inteira!
Santos, o berço da História!
E de tão grandes poetas
Que honram a Pátria e a memória,
Traçando brilhantes metas!
Liberdade e Caridade
Santos traz no coração...
E em troca, levam Saudade
Os que de Santos se vão!
CONSELHOS DE MÃE
Meu filho, a vida é dura e fere... e nos magoa...
mas, trata-a com respeito e guarda a dignidade.
Ainda que a alma inteira sem clemência doa,
não permitas que o mal altere o que é verdade!
Sonha bem alto e segue o voo do teu sonho
sem pressa de alcança-lo e tendo-o sempre à vista!
Cada dia que passa é um dia mais risonho,
quando o amanhã promete as glórias da conquista!
“Segura a mão de Deus!” Segue o rumo sem medo.
Os caminhos, verás, se abrirão à medida
que teu passo provar firmeza e, sem segredo,
revelar o sentido e o Ideal da tua vida!
Não temas opressões nem quedas. Persevera!
Se achares que ao final o saldo não convence,
reage, continua... a vida tens à espera!
Confia em teu valor! Trabalha! Luta! E vence!
VELHO RIO...
Deslizas velho rio, amargo e silencioso,
A esconder, bem ao fundo, a injúria e a dor calada.
Cresceste manso, puro! E teu caudal piscoso
Refletia o esplendor da luz da madrugada!
Quantas milhas coleaste! Fértil, dadivoso,
Quantos lares supriste! E se a sede saciada
Afugentou a seca, esse fantasma odioso,
Tiveste, em paga injusta, a face maculada!
Hoje, segues tristonho... sujo... moribundo...
Tendo no seio o estigma e, na alma dolorida,
Toda a angústia de ser a lixeira do mundo!
Velho rio... depois de tanto desengano,
Entendo porque, enfim, protestas contra a vida
E afogas tua dor no abismo do oceano!
A santista Carolina Ramos é das artistas mais completas e atuantes da literatura brasileira em todos os tempos. Professora, Poetisa, Escritora, Biógrafa, Artista Plástica e Musicista, com incontáveis premiações e publicações no Brasil, Portugal, Itália e Angola. Membro de várias instituições humanistas e culturais, incluindo Academias de Letras. De notável destaque também como Trovadora, inclusive atuando na divulgação desta arte no País. Autora dos livros Destino e Liberdade... Sonho de Todos.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
REGINALDO COSTA DE ALBUQUERQUE
I
Sob a luz do lampião ela descansa,
cobre seu alvo corpo o sal do enredo
serenando-lhe o sono de criança,
e ainda corre em gotas, quedo e quedo...
Encostada à parede, dorme mansa
e vã a roupa que feri com o dedo,
quando ondulava deliciosa dança...
Pensei: ─ Agora!... Ela hesitou: ─ É cedo!...
O sonho desce... Um doce aroma emana
de exóticas flechinhas atiradas
por um cupido azul de porcelana,
ornando a penteadeira entre almofadas...
Mexe-se... e um fino traço de sultana
molda-se pelas curvas delicadas...
II
Na insônia por que passo e que me cala,
quis talhar-lhe um vestido de veludo
em lugar do outro, rico em pompa e gala,
pequeno, ideal, que não guardasse tudo...
Linha, tecido, agulha, onde há?... Contudo,
sobre este eventual papel opala,
costuro com um fio de ouro mudo,
vinte e oito versos para acarinhá-la...
Ri... balbucia... o braço ao chão pendente...
A chama treme... morre docemente...
Lá fora, o sol dardeja alto à janela.
Desperta... ─ Rápido! Vão lá sonetos!
Tramem rimas, quartetos e tercetos,
e ajustem-se à beleza e às formas dela!
Página virada
Tarde da noite, em meio à quietude das ruas,
encontro nesta banca há muito abandonada,
no entulho de jornais e traças junto à entrada,
revista masculina, expondo moças nuas.
E tremo ao desfazer a página virada...
No encarte especial, fotografias tuas
em poses sensuais dizem verdades cruas
que sangram cicatriz que imaginei curada.
A propaganda exalta algum lugar distante...
A lua espreguiçada em seu quarto minguante
lança cintilações sobre esta saudade oca...
Por um momento a banca agita a velha porta...
Se o teu vulto é ilusão ou real, o que importa?
Aplaco a minha dor beijando a tua boca...
A Santa
Parei, ouvindo o sino, em frente à escadaria,
então me aproximei do altar vazio e triste.
Toco em cálices... bíblia... e o círio ardendo em riste,
onde um fingido ‘sim’, outrora, a igreja enchia.
Pelos vitrais a etérea hóstia, além, se ergue fria...
Nada mais da outra data agora em mim existe,
triunfa o vulto atroz das ilusões que assiste
ao órgão com a nupcial e antiga melodia.
Ajoelhado aos pés da santa, lá ao fundo,
nas orações, revelo o ansiar de um moribundo...
E quando os olhos abro, a visão prende e encanta:
no santuário, um quadro único de sintaxe,
baixando o pedestal, ela beijou-me a face...
Cabeça oca me ocorre!... E se não for a santa?...
Ressurreição
Eis que volto ao parquinho abandonado...
De fato, está bem gasto, sem valia,
porções de entulho e mato lado a lado,
em vez da meninada em correria.
Olhando o carrossel empoeirado
não sei o que dá mais melancolia,
se o céu de luto todo declarado
ou nossa dupla de alazães vazia.
Ontem, quantos passeios demos juntos!
Hoje, nesses cavalos já defuntos,
encontro apenas restos de ilusão.
Mas um clarão de lendas muda o enredo...
Torna a girar o mágico brinquedo,
com a tua imagem me estendendo a mão...
Um velho
Ouço em surdina, enquanto a plena lua
banha a face da terra adormecida,
alguém contar de um bem, da mais querida,
na pequenina praça ao fim da rua.
Quem é esse que, de forma tão sentida
e saudoso da graça que foi sua,
diz frases onde o pranto se insinua
e rasga cicatriz de minha vida?
Doces lembranças vêm abrir-me a porta...
Longe a imagem de um velho erguendo a taça
de emoção que julguei há tempos morta.
Ando até a ele e o enigma me apavora...
Na solidão em que se encontra a praça,
vejo o meu triste coração que chora...
O espantalho
I
Sempre inerte naquele cruzamento,
a figura alegórica e isolada
de um espantalho erguendo as mãos ao vento
nos êxtases de eterna gargalhada.
Sem lembranças, idade ou pensamento,
sob a carícia estúpida do nada
apenas o nariz de um cão sarnento
ousa roçar-lhe a calça amarrotada.
Que faz ali alheio à plantação
em lugar tão contrário à enxada e ao grão,
nessa matéria seca e vã de agora?
Sabe-se que ele tem o dom fantástico
de retirar de um embornal de plástico,
lumes que alvejam os vitrais da aurora...
II
Certa manhã em noite se enganara,
sobre a lájea do asfalto se embaralha
um amontoado de pau, pano e palha,
no ósculo da quimera mais avara.
Da perna ao meio-fio fez-se a vara
e o povaréu em tudo mexe e espalha
gotículas do orvalho e da borralha
desse judas que o sol abandonara.
Do lábio torto um rogo de perdão...
Entre os vergões da calejada mão,
seiva, suor, lavoura... o M desfeito.
Mas antes que o esmiuçassem totalmente,
um fato surpreendeu a muita gente...
Havia um coração dentro do peito!
47 anos e campo-grandense-MS de coração. Possui mais de duzentas premiações literárias em concursos de poesias, sonetos e contos. Mais de 100 antologias. Autor do livro "Sonetos no azul da tarde", 2009. Contato: reginaldoalbuquerque@uol.com.br
domingo, 14 de agosto de 2011
CAROL BUENO
Andarilha
Suspiros ofegantes, ideias delirantes
músculos latejantes, desejos sufocantes!
Faça-me amante, seja eu errante,
vadia ambulante, na busca incessante,
ainda elegante, embora exaltante,
pelo...
galante...
que não me soube a
m
a
r.
Desencontro
Meus olhos secaram.
Lágrimas são reminiscências.
Cética, fria
amor desconhecido
falta de poesia.
Não! Não existe amor a dois,
Apenas amo-te e amas-me
Cada um na sua frase
Cada um na sua oração
Cada um no seu contexto
Texto, história:
prosa impar
Individual!
Amo-te e amas-me
E pára, não vai além
Na nossa história
Estamos separados
O autor quis assim
Eu no capítulo Amo-te
Você no capítulo Amas-me
que não se encontram
Ah... mas está inacabada
Coloquem em nossos túmulos:
‘to be continued’...
Às vezes um grande amor
não cabe no espaço de uma vida...
Interpretação do Silêncio
por um amor maior
Olha ao redor...
Encontra-se só, mas não tem saudade
não tem necessidade...
A ausência de movimento, de som
evidencia ainda mais o pulsar de um coração
...coração bate, alguém vive...
(Apesar do silêncio!)
Não seja desilusão, também não o é esperança...
é senão a PLENA consciência de viver,
estar vivo e sentir o coração bater (... apesar do silêncio!)...
Apesar de, há vida:
essa luz ínfima que não sabe que aguarda alguém
(ou ainda guarda, não sei...) que lhe faça resplandecer de novo.
Supra-arte esse momento de reclusão,
purgatório de emoções, purificação de sentimentos.
Por um amor maior que ainda será, mas que por hora paira no silêncio.
O que ou quem? Mania de pensar!
A maturidade aliena
A consciência condena
Mas o instante existe
Vive quem liberta
Ainda que em breve retorne
à realidade sem poeta.
porto a deriva
como consegue guiar seu caminho
no mar sempre eterno que a vida impõe ?
como que pode, barquinho sem vela,
andar teimosinho
sem nenhum carinho?
diga-me albatroz
que de cima tu vês
eu sou o seu porto ou quase já morro
por porto não ser ?
barquinho malvado
ah, tenhas cuidado pois vais perecer.
seu porto te espera anseia aguarda
barquinho vem logo,
o porto flutua, incerto, a deriva
assumo barquinho: mais forte é você.
Vestígio de solidão
Por não ter você
a Poesia nasce
Ah... quem me dera
trocar estas palavras
por um sorriso sequer!
Essa poesia não é bela
Seja você presente e não ela.
Jordanense, professora, escritora, poeta, autora inédita, premiada no Concurso Poetas do Vale, Taubaté.
sexta-feira, 15 de julho de 2011
KARINA ALDRIGHIS
FIM DE NOITE:
A lua adoece,
O tempo esfriou,
O dia anoitece,
O Sol descansou.
As nuvens recobrem
A abobada celeste
As estrelas cobertas
Quase desaparecem.
Vento brando,
Porém gelado,
Frio de inverno
Calor afastado.
Noite escura,
Sem Lua, sem luz
Tempo fechado,
Que não me seduz.
Noites românticas,
Ah! Que saudades!
Noites quentes, na
Calada da madrugada.
Agora é assim,
Sem luz, sem paixão.
Tempos que foram,
Agora, desilusão.
FOLHAS AO VENTO...
O vento vai passando,
E a todos tocando
E assim conseguindo levar
Pedaços de uma vida...
Eta vento pirilampo!
Que quando foi passando
Conseguiu arrancar aquela folha
Que lutava por mais um dia!
Já meio amarelada
No meio daquele galho seco
Tentava reunir forças
Da pouca seiva que a nutria.
E em meio a rajadas de vento
No bailar do movimento
Sentiu quando a água a abraçou
Na poça que a acolhia.
Assim viveu mais um dia
E pôde compartilhar da alegria
De sentir o pousar de outras folhas
Naquelas águas cristalinas.
Assim não se sentiu mais sozinha
Podendo gozar da companhia
De outras folhas arrancadas
Pelas forças do vento...
PERSPECTIVA DE VIDA (MUSICALIDADE)
No mundo subterrâneo
Da minha consciência
Relembro os meus sonhos.
Penso.
São sonhos da infância
Sonhos da adolescência
Sonhos que há tempos sonho.
Vejo.
Será que os realizarei?
Será que os concluirei?
Ou nunca passarão de sonhos?
Sinto.
Vontade de ser feliz,
Vontade de conseguir
Realizar o meu grande
Sonho.
POEMA ENGASGADO
As palavras não saem
A rima não combina
Pensamentos se mesclam
A frase não termina.
Confusão mental
Poema inacabado
As idéias não fluem
Momento inadequado.
Tudo cai no vazio
Sem cerne, sem sustância
Amnésia criativa
Sem gomo, sem concordância.
Em meio ao pesadelo
O papel fica sem vida
Engasgado está o poema
Sem data definida.
POESIAS
A poesia é o grito
De liberdade do poeta.
É através dela que ele se exprime
É através dela que ele se liberta.
É na poesia que o poeta
Faz suas confissões, conta seus segredos:
Seus sonhos; suas ilusões,
Os seus mais íntimos desejos.
E é através das poesias
Que o mundo consegue ter acesso
A um mundo cheio de fantasias
À imaginação de um poeta.
É nessas pequenas estrofes,
Nessas combinações de palavras,
Nessas frases, nessas rimas,
Em que a poesia está formada.
São nessas belas frases
Em que o poeta se expressa
Que o mundo se emociona e descobre
O secreto mundo em que vive o poeta.
POESIAS, PRA QUE SERVEM?
Poesias, pra que servem?
Para se ler, para entreter
Para emocionar, para mexer
E comover o seu coração...
Poesias, para que servem?
Para se ler e escrever
Para sonhar e despertar
Incentivar sua imaginação...
Poesias, para que servem?
Para tocar e para marcar
Para se abrir e desabafar
Para despertar uma emoção?
Poesias, para que servem?
Para iludir e magoar
Para fantasiar e enganar
Fazer de bobo o cidadão?!
Poesias, para que servem?
Para rimar e enriquecer
Para detalhar e demonstrar
O quanto é bela a reflexão.
Cirurgiã-dentista por opção, poeta por vocação, assim se define Karina Aldrighis. Formada em Odontologia pela Universidade de Taubaté (Unitau) e pós-graduada em Saúde da Família também pela Universidade de Taubaté (Unitau), Karina P. Issamoto nasceu em Taubaté-SP e começou a escrever poesias aos 12 (doze) anos de idade. Quando estudante, ao ler poemas de Cecília Meireles apaixonou-se pela poesia, e decidiu dedicar-se a ela.
Escreve poesias, contos, crônicas e participa de Antologias, Revistas Literárias e Concursos de Poesia, da qual teve alguns poemas premiados. Administra os blogs Caderno de Poesias e Ninho de Borboletas e divulga seus escritos pelo site pessoal www.karinaaldrighis.com e outros sites literários na internet. Em 2011, lança seu primeiro livro de poesias, Ninho de Borboletas, com 30 (trinta) poemas infantis, pela Paco Editorial.
domingo, 3 de julho de 2011
YAYÁ PORTUGAL
CONJUGAÇÃO À PARTE
Separa na dor, a razão;
Repara teu ser, emoção;
Esquece o destino, prossegue
Qual água da chuva que vai.
Sê forte, atura a missão
Que a terra pertence o teu chão.
Plantar com fervor enobrece.
Almeja o fruto, que és pai.
Prepara a semente, menção
Do sol reluzente à ação;
Fortalece, não esmorece,
Da graça da lida te faz.
Pondera à vontade a visão
Cruel do teu mundo, obsessão
À parte de ti. Apetece,
Da sorte o teu feito te sai.
LATINO - O ELO ENCONTRADO
Precisava de um guerreiro
Bem disposto. Planejava
Com Lavínia no terreiro
Um destino que almejava:
Conquistar o mundo inteiro.
Vem Eneas aventureiro
Precisando de uma clava,
Um apoio uno e derradeiro,
Porque a Grécia não deixava
Terminar o seu tinteiro.
Muitas lutas no seu meio,
Sofrimento que alijava
A subir um mar inteiro
E encontrar a sua tábua,
O seu remo, o seu roteiro.
Com Lavínia, tudo feito;
A donzela que aceitava
O papel casamenteiro,
A mulher que se enfeitava
Num contexto bem brejeiro.
D’uma união nasceu um herdeiro
O seu nome, Iulo, visava
Um futuro alvissareiro;
Alba Longa planejada,
De um eterno sobranceiro.
CALMARIA
Noite calma, calmo o vento;
Dorme o mar imorredouro,
Vela o sono o firmamento.
Some a nuvem com o vento,
Desce a terra sem estouro;
Gira a vaga e o cata-vento.
Cada feito tem seu tempo
Cada flor, o seu tesouro.
DESCRENÇA
Perdi o eclipse lunar,
Não vi a lua encoberta;
A cheia atrai o meu sonhar.
Fechei a tela e o solar,
Liguei o som que desperta,
Livrei o sol de um azar.
Não creio em bruxa a avisar,
Não creio em sorte de estrela;
Não saí desse lugar.
IRONIA
Jegue pacato, fiel e distinto,
Segue o seu arreio na lida avaliada
De aço puxado ao passo seguido;
Sina de ensino à pelo no instinto.
Manso cordeiro de alma vestido
Segue o pastor em busca da malha
Fresca ao calor do sol estendido;
Despe-se e veste um pobre sofrido.
Pombo-correio, o carteiro auferido,
O anjo esquecido ao céu se dispara
Na ânsia da entrega ao tempo pedido;
Cumpre o papel na data marcada.
Bicho fez-se homem, barro fundido,
Osso e costela, sobra da escala
De ânimo próprio, de único tino.
Sonho de luz, que esparja a palavra!
GRAÇA
A prática sugere o caminho
Da lavra, ser que segue a montanha
Perdido num aviso vazio
De setas na pegada tamanha.
Resvala numa ponte de alinho
Por sorte inesperada à façanha,
No modo desejado ao divino
Pinçado, um escolhido na manha.
A ação imune ilumina esse tíbio
De ideias desarrumadas à lama,
Descaso na dureza do sino
Batido e calejado na tampa.
A ponte se partiu num arrimo
E o que era não foi mais a montanha,
Foi arcada e proteção, no carinho
Do abraço, a salvação dessa apanha.
INGENUIDADE
O moço do amendoim
Avisa que a fornada
Está chegando ao fim
Aos ares da animada.
A malta foi mesclada
Nas voltas do carmim,
De versos encantada,
Que iludem a ti e a mim.
Passou suave esse ínterim
E foi-se o trem na esteada;
Na turba do alecrim
Não sobra um na passada.
Os fogos de festim
Enfeitam a encerrada
De luzes ao jardim
Na chuva iluminada.
MATANDO A SAUDADE
Os velhos nas praças,
Nos bancos sentados,
Relembram pirraças.
Cavalos montados,
Correios e vidraças
Dos passeios passados.
Precisam das praças,
Dos jovens e dos dados.
Notícias e graças
De vida, contados
Por outros comparsas,
Iguais e abraçados.
Respiram desse ar;
Ao céu enamorados
E, cuidam das garças
Que passam aos lados.
Nos céus engendrados,
Divertem-se amados.
E voltam às casas
Alegres, cansados.
Felizes quais traças
De livros guardados
No fundo das caixas;
Papéis decorados.
Paranaense de Curitiba, poeta, contista e cronista com participação em Antologias. Veicula o Blog www.arteseescritas.blogspot.com . Contato: yaya.curitiba@terra.com.br.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
RITA ELISA SEDA

AMEAÇA
Os corvos voltaram...
porque o milho brotou.
Os corvos voltaram...
porque a fome aumentou.
Mas, eles não sabem,
nem imaginam...
Agora o espantalho
sabe atirar!
CAMUFLAGEM
para minha mãe
Untada de citronela
Vagueio pela mata,
O ar puro
Me dá vertigem.
O som dos pássaros
Penetra meu silêncio.
O vento nas folhas
Sacode minha memória.
Sou novamente feliz.
Pés descalços, chapéu de palha.
Correr atrás da borboleta azul,
Catar joaninhas,
Cheirar as folhas,
Abrir os braços, penetrar no mistério.
Tornar-me verde, enraizar desejos e
Nas veias -seiva!
TOTEM
O pó anseia pelo gosto das lágrimas,
Os dedos ágeis moldam a argila,
Dão forma ao barro.
O fogo devora a madeira,
A chama vitrifica a obra.
Se é bom, coloca-se à direita,
Se é ruim, coloca-se à esquerda,
O artista comove-se,
Lágrimas ponderam a criação,
Nada vale,
Nada valeu.
Sem o sopro
Não há vida,
Não há nada,
Não há obra,
Reles Mortais.
ANFITRIÃ
para Cora
No meu jazigo
Há um jardim secreto
Que nasce das raízes
Dos ossos porosos,
Dos cabelos crescidos
E das unhas brancas.
Ali tudo é possível.
Encontram-se
Pretos e brancos.
Pobres e ricos,
Felizes e infelizes.
Ali encontra-se a certeza.
Na lápide verde formada
-rastros de Perséfone-
Coralina da vida,
Poetizando mistérios.
AS MÃES DA PRAÇA DE MAIO
Há muitas décadas
na praça de Maio elas marcham
Mostrando suas dores.
Ali também choram Marias e "Clarissas"
No solo argentino.
As Mães da praça de Maio.
Quinta-feira,
O silêncio ecoa no murmúrio
Dos passos.
A lembrança dos filhos amados.
As Mães da praça de Maio.
Na mortalha dos pensamentos,
A fralda do amor jamais esquecido,
E jamais encontrado.
Choram...
Choram na praça de Maio.
ROÇA
O besouro voa até o bambuzinho,
A folha, intrépida, balança boas-vindas,
A borboleta vermelha suga a vida do agapanto,
O marimbondo-cavalo sacia-se numa pitanga.
No pasto,
O boi revira a grama
Seguido pela garça.
O beija-flor penetra o lírio selvagem,
Pousa na pereira e esgrima o bico no
galho.
No pasto,
A garça segue o boi e
O boi revira a grama.
Os cães ladram, mas a charrete passa.
O tucano se esconde na mangueira
E deixa o bico à mostra.
A abelha desnorteia meus pensamentos.
No pasto,
A garça-boi revira a grama
Mas não voa.
O cheiro ácido de uvaia pisada
Desperta meu paladar,
No primeiro instante -lanterninhas amarelas
Depois, o caroço cuspido, e
O néctar para a digestão.
Isto é vida,
Isto é roça,
Recanto de Minas.
MIRAGEM
Rasgaram o céu
e canalizaram
o azul
numa sinuosa vala.
Há bençãos acumuladas
captadas no horizonte.
O céu tocou a terra.
A terra acolheu o céu.
Esta é a hora
este é o dia,
navegar no azul.
FORTALEZA
para as Anas
Cheguei e já te conhecia,
Provei-te sabor requintado,
Deslumbrei-te verdes olhares,
Escutei-te pássaros coloridos,
E amei-te terra bendita.
Teu céu é mais azul,
E teu arco-íris noturno,
Prevê um dia de chuva.
Tua água cristalina
Incrusta pequenos tesouros.
Desvendei-te alguns mistérios,
Ruínas de Ouro-Fino,
Capela de S. João Batista,
E a encantadora Serra Dourada.
Descobri num belo sorriso
Que as forças de Goiás
Chamam-se Anas.
Escritora e fotógrafa, Rita Elisa é autora de Raízes de Aninha (com Clóvis Carvalho Britto, biografia de Cora Coralina), A Menina dos Vaga-Lumes (com Sônia Gabriel, biografia de Eugênia Sereno) e Retalhos de Outono (de onde foram extraídos os poemas acima), entre outros. Integra a REBRA, UBE e AVLA - Academia Valeparaibana de Letras e Artes, que ajudou a fundar. Membro da Academia Joseense de Letras, escreve em diversos jornais e sites. Contato: http://palavrasdeseda.blogspot.com .
domingo, 22 de maio de 2011
ISABEL FURINI
UMA TATUAGEM
Uma tatuagem é desdobramento do instinto em imagens,
orbe de conceitos
chicoteados em flor, ou âncora, ou astro (caos de imagens)
silêncio angustiante e selvagem cinzelado no corpo.
Uma tatuagem é labirinto de conceitos
(metálicos),
gravura de emoções desafiando a impermanencia
e os preconceitos,
áspera formiga desfiando um a crosta de um relógio vermelho
(no quadro de Dalí).
E, às vezes, às vezes, uma tatuagem
é como a fita de Moebius,
arco do tempo,
voz metafísica do universo
imprimindo o sonhos na epiderme do eu.
Uma tatuagem é desdobramento do instinto em imagens,
orbe de conceitos
chicoteados em flor, ou âncora, ou astro (caos de imagens)
silêncio angustiante e selvagem cinzelado no corpo.
Uma tatuagem é labirinto de conceitos
(metálicos),
gravura de emoções desafiando a impermanencia
e os preconceitos,
áspera formiga desfiando um a crosta de um relógio vermelho
(no quadro de Dalí).
E, às vezes, às vezes, uma tatuagem
é como a fita de Moebius,
arco do tempo,
voz metafísica do universo
imprimindo o sonhos na epiderme do eu.
CAMPO DE TRIGO DE VAN GOGH (1890)
Corvos ferinos, mímicos ferinos,
sombras da genialidade,
murmúrio de rios subterrâneos,
canal das águas do inconsciente,
campo de trigo com negros corvos
moendo as tenebrosas horas.
O vento sussurra entre os ouvidos e a tela
- quase um ulular de morte.
Corvos ferinos, mímicos ferinos,
sombras da genialidade,
murmúrio de rios subterrâneos,
canal das águas do inconsciente,
campo de trigo com negros corvos
moendo as tenebrosas horas.
O vento sussurra entre os ouvidos e a tela
- quase um ulular de morte.
A NOITE DE PEDRO PÁRAMO
Silencia o trovão amordaçado pelo árido deserto,
a noite macilenta
aprisionada pelas violentas gárgulas do rancor, arqueja.
Noite que alimenta sombras, matriz de espectros
que deambulam pela árida terra dos mortos.
Noite fantasiada de carranca de proa
naufraga em angustiados alfabetos.
(O abismal relato de Juan Rulfo penetra nos ouvidos
e na alma,
enquanto falanges descarnadas escavam lembranças.)
Nada se mexe no horizonte.
Nada se mexe nessa noite sem estrelas.
Noite de meninos mortos
enterrados em caixões brancos com arabescos.
Noite desabitada – sem esperanças, morta,
quase um contorno de casas em penumbra,
as portas uivam e quebram lúgubres sombras.
Sucumbe, verticalmente, a noite e impulsiona o vento
que arremete contra esse povoado poeirento e olvidado,
trancado entre paredes de espectros e de traumas.
Pedro Páramo espreita nossos passos
com seus olhos cruéis
transforma-nos em moinhos de pedra
e ficamos como estatuas avassaladas, inertes,
no árido deserto de Comala.
Silencia o trovão amordaçado pelo árido deserto,
a noite macilenta
aprisionada pelas violentas gárgulas do rancor, arqueja.
Noite que alimenta sombras, matriz de espectros
que deambulam pela árida terra dos mortos.
Noite fantasiada de carranca de proa
naufraga em angustiados alfabetos.
(O abismal relato de Juan Rulfo penetra nos ouvidos
e na alma,
enquanto falanges descarnadas escavam lembranças.)
Nada se mexe no horizonte.
Nada se mexe nessa noite sem estrelas.
Noite de meninos mortos
enterrados em caixões brancos com arabescos.
Noite desabitada – sem esperanças, morta,
quase um contorno de casas em penumbra,
as portas uivam e quebram lúgubres sombras.
Sucumbe, verticalmente, a noite e impulsiona o vento
que arremete contra esse povoado poeirento e olvidado,
trancado entre paredes de espectros e de traumas.
Pedro Páramo espreita nossos passos
com seus olhos cruéis
transforma-nos em moinhos de pedra
e ficamos como estatuas avassaladas, inertes,
no árido deserto de Comala.
VIVÊNCIAS
Dedicado ao poeta Claudio Daniel.
Ele escreve poemas a partir de mantras.
(Om Lakshmi pataye namaha)
Palavras serpenteiam no vento entre ondas e incenso.
Sabores naufragam
no prisma da memória.
Nada escurece as lembranças de experiências
(antigas e futuras),
torrentes de emoções acordam
(e dançam),
clareia a noite cinzelada em rochas de palavras
(mantras)
clandestinos afetos invadem o castelo da alma
e a deusa dança sua dança
(infinita).
Om Lakshmi pataye namaha.
TULIPAS
Lateja a vida nos meteoros das cores e das formas.
A artista multiplica tulipas
no universo da tela,
e as flores alegram as retinas.
VAN GOGH
Ulula o chicote do tempo no vulcão das horas,
e no local absurdo,
tétrico, do porão da mente,
o brilho dos quadros
cinzela as noites de insônia.
Enquanto emoções disputam espaços,
a orelha - banida do tempo -impulsiona-se
para a eternidade.
ISABEL FLORINDA FURINI, escritora, palestrante, poeta premiada e educadora. Assina a coluna “Livros de negócios” do Jornal Indústria&Comércio de Curitiba. Mantém o blog Falando de Literatura no Bondenews (http://www.bonde.com.br/bonde.php?id_bonde=1-31-3&oper=quem). Escreve a coluna “Falando de Literatura” na revista ZK 2.0 da Espanha.
Já publicou 20 livros, entre eles: Arte de Falar em Público, Ele e outros contos, O Livro do Escritor, Oratória Forense.Em 2007, redigiu o livro: SENAC Paraná, 60 Anos.
Contato: isabelfurini@hotmail.com
Já publicou 20 livros, entre eles: Arte de Falar em Público, Ele e outros contos, O Livro do Escritor, Oratória Forense.Em 2007, redigiu o livro: SENAC Paraná, 60 Anos.
Contato: isabelfurini@hotmail.com
domingo, 24 de abril de 2011
LUNA FERNANDES

REENCONTRO
Eu me afastei de mim, de tudo o que eu queria
-as minhas ambições, meus sonhos e ideais...
E sem sentir, decerto eu me afastei demais
desse mundo de paz e amor em que eu vivia.
E arrastado que fui por tantos vendavais,
eu me perdi de mim... E quando enfim, um dia,
eu tentei me encontrar, senti que não podia
pois os rumos de volta eu não sabia mais...
E segui, sendo alguém que seguia, não eu...
Até que um dia achei, entre as rimas, o abrigo
que eu há tanto buscava e tão bem me acolheu...
E aos poucos devolveu-me esse convívio amigo
com tudo o que eu perdera e voltava a ser meu...
E eu me encontrei, então, novamente comigo...
BRISA E VENDAVAL
No início era uma brisa, a deslizar de leve
e a carregar consigo o aroma dos rosais...
Passava sem fazer ruído nos beirais,
sem arrastar a areia ou derrocar a neve...
Depois tornou-se vento, aligeirou-se mais...
Já não passava assim -silencioso e breve...
Passou a ter um ar de quem ousa e se atreve
a chamar atenção e assustar os mortais...
Foi ficando mais forte, ameaçante e rude...
E hoje deixa antever, no porte e na atitude,
tudo o que pode ser e causar, ao final...
Pois não queira ir além de onde deve e precisa:
é melhor retornar à condição de brisa
que prosseguir e ser, um dia, um vendaval!...
NÃO MALDIGAS...
Não maldigas o amor do teu passado
nem maldigas a dor que já sentiste,
seja, embora, este amor que te fez triste...
Seja esta dor que tenha te marcado...
Não maldigas quem quer que, dedo em riste,
possa ter, muitas vezes, te humilhado...
Nem maldigas, por ter desmoronado,
o castelo de sonhos que erigiste...
E ao te invadir a mente, distraída,
qualquer recordação te desconforte,
de algum mamor desfeito ou dor sentida,
não a maldigas, pois, de alguma sorte,
foi, quem sabe, esse amor que te deu vida!...
Foi essa dor, talvez, que te fez forte!...
A GRANDE INCERTEZA
O que existe, afinal, depois da vida?
O céu?... O purgatório?... O inferno?... O nada?...
Uma outra vida, longa e atribulada
como essa que acabou de ser vivida?...
E o que é dado levar, na retirada?...
A semente plantada?... A flor colhida?...
A chama da paixão interrompida?...
A pauta da canção inacabada?...
Para onde... E por que... E como... E quando...
Vivemos, há milênios, perguntando
e ninguém nos responde com clareza...
Tolos e sábios, crédulos e ateus,
por mais que se confie e creia em Deus,
todos temos, no fundo, esta incerteza!...
ROSA PÓSTUMA
Sozinho a caminhar, descalço e maltrapilho,
um menino percorre a fatigante estrada...
Um menino sem lar, sem família, sem nada:
ninguém sabe quem é nem de quem é filho...
Apeesar da feição contraída e cansada,
não detém a passada o pequeno andarilho...
E a seguir, como um trem a seguir sobre o trilho,
vai cumprindo, a rigor, toda a meta traçada...
Uma rosa na mão... uma rosa colhhida
numa praça, talvez... E a expressão decidida
de quem sabe que vai, aonde vai e porque...
Passa o grande portão... Segue a aléia vazia...
E em frente à campa rasa, estanca e balbucia:
- Esta rosa, Mamãe, eu trouxe pra você!...
Eu me afastei de mim, de tudo o que eu queria
-as minhas ambições, meus sonhos e ideais...
E sem sentir, decerto eu me afastei demais
desse mundo de paz e amor em que eu vivia.
E arrastado que fui por tantos vendavais,
eu me perdi de mim... E quando enfim, um dia,
eu tentei me encontrar, senti que não podia
pois os rumos de volta eu não sabia mais...
E segui, sendo alguém que seguia, não eu...
Até que um dia achei, entre as rimas, o abrigo
que eu há tanto buscava e tão bem me acolheu...
E aos poucos devolveu-me esse convívio amigo
com tudo o que eu perdera e voltava a ser meu...
E eu me encontrei, então, novamente comigo...
BRISA E VENDAVAL
No início era uma brisa, a deslizar de leve
e a carregar consigo o aroma dos rosais...
Passava sem fazer ruído nos beirais,
sem arrastar a areia ou derrocar a neve...
Depois tornou-se vento, aligeirou-se mais...
Já não passava assim -silencioso e breve...
Passou a ter um ar de quem ousa e se atreve
a chamar atenção e assustar os mortais...
Foi ficando mais forte, ameaçante e rude...
E hoje deixa antever, no porte e na atitude,
tudo o que pode ser e causar, ao final...
Pois não queira ir além de onde deve e precisa:
é melhor retornar à condição de brisa
que prosseguir e ser, um dia, um vendaval!...
NÃO MALDIGAS...
Não maldigas o amor do teu passado
nem maldigas a dor que já sentiste,
seja, embora, este amor que te fez triste...
Seja esta dor que tenha te marcado...
Não maldigas quem quer que, dedo em riste,
possa ter, muitas vezes, te humilhado...
Nem maldigas, por ter desmoronado,
o castelo de sonhos que erigiste...
E ao te invadir a mente, distraída,
qualquer recordação te desconforte,
de algum mamor desfeito ou dor sentida,
não a maldigas, pois, de alguma sorte,
foi, quem sabe, esse amor que te deu vida!...
Foi essa dor, talvez, que te fez forte!...
A GRANDE INCERTEZA
O que existe, afinal, depois da vida?
O céu?... O purgatório?... O inferno?... O nada?...
Uma outra vida, longa e atribulada
como essa que acabou de ser vivida?...
E o que é dado levar, na retirada?...
A semente plantada?... A flor colhida?...
A chama da paixão interrompida?...
A pauta da canção inacabada?...
Para onde... E por que... E como... E quando...
Vivemos, há milênios, perguntando
e ninguém nos responde com clareza...
Tolos e sábios, crédulos e ateus,
por mais que se confie e creia em Deus,
todos temos, no fundo, esta incerteza!...
ROSA PÓSTUMA
Sozinho a caminhar, descalço e maltrapilho,
um menino percorre a fatigante estrada...
Um menino sem lar, sem família, sem nada:
ninguém sabe quem é nem de quem é filho...
Apeesar da feição contraída e cansada,
não detém a passada o pequeno andarilho...
E a seguir, como um trem a seguir sobre o trilho,
vai cumprindo, a rigor, toda a meta traçada...
Uma rosa na mão... uma rosa colhhida
numa praça, talvez... E a expressão decidida
de quem sabe que vai, aonde vai e porque...
Passa o grande portão... Segue a aléia vazia...
E em frente à campa rasa, estanca e balbucia:
- Esta rosa, Mamãe, eu trouxe pra você!...
Luna Fernandes é brasileiro, carioca, casado, empresário, pós-graduado em Gestão Empresarial. Mais de cento e cinqüenta prêmios literários conquistados em todo o Brasil e em Portugal, em todos os gêneros – romance (dois romances premiados), contos, crônicas, poesias e trovas (detentor do título "Magnífico Trovador", outorgado pela UBT – União Brasileira de Trovadores). Participação em mais de cinqüenta antologias e coletâneas, com vários trabalhos traduzidos para outros idiomas (espanhol, italiano e esperanto). Três livros editados: Primícias (poesias, de onde foram extraídos os sonetos acima), Gurugumba (romance) e O Mundo do Curió (contos). Contato com o autor: lunafernandes@mundivox.com.br
domingo, 3 de abril de 2011
ABÍLIO PACHECO

ELEGIA DE MARIA
Maria deitada na cama
na lida profana da noite
na noite soturna do quarto
olha as horas paradas
e espera o brilho das horas
e espera o sol de amanhã.
No corpo frágil o sustento
fértil odor de hortelã,
nos beijos, pancadas na cara
gemidos, carícias e dor;
estranhos estames fincados
(vibrante delírio frenético)
grãos de pólen gozados,
nas entranhas - carne em flor.
Depois de tanto sofrer
no martírio noturno,
o vírus maldito da morte
lhe leva a um longo suplício
na solidão do seu quarto,
na solidão da espera.
Maria velha é levada
ao fim dos dias tão cedo.
Não existe mais sonho.
Não existe mais quimera.
Não existe mais fantasia.
Não existe mais... Maria.
HABITAÇÃO
Há um silêncio seco percorrendo as paredes da casa:
Ratos roem roupas sujas esquecidas nos sofás,
fazem seus ninhos entre os nossos tecidos
e mijam nas louças adormecidas sobre a pia;
Baratas revoam sobre a mesa da sala
são insetos burocráticos, bibliófilos, alfarrábicos
que se fartam nos papéis, cartas, revistas e jornais
que há dias estão reunidos na mesa de jantar;
Grilos entoam acordes de árias desafinadas
e muriçocas lhes riem finos gargalhos;
Formigas carregam as migalhas da última ceia
da ceia de ontem, da ceia de sempre;
Uma única mariposa tenta a morte em vão na luz da sala;
E aranhas ressecadas nos telhados podres
permanecem estáticas à teia urdida
Enquanto os gatos, os cães
e os homens estão perdidos pelo mundo.
HORAS PASSADAS
À minha mãe Maria Cordeiro
Eu andava sozinho
nos jardins da minha memória
tentando sentir o perfume
das flores murchas no tempo.
Havia uma ironia colorida
nas folhas espalhadas pelo chão
e uma tristeza profunda
onde antes havia uma rosa.
Hoje... nenhuma abelha me traz
as flores murchas do tempo,
horas que não voltam mais.
NEREIDA EM SALINAS
À nereida Deurilene Sousa
... seguro tua mã e contigo navego
(corpo velido) pelas alvíssimas
planuras ondulantes dos lençóis
de areia da enseada
do quarto do chalé
pelos vagas: ondas suaves,
sussurros de sereia,
corais em solo e em si bemol!
Deixemo-nos levar por este canto navegante
e nenhum arrecife nos há de avariar a nave.
TESSITURA NOTURNA
A João Cabral de Melo Neto
Um latido apenas
não protege a rua
ele precisará sempre
que os cães o apanhem
e o lancem a outros cães
e a outros latidos
tal que somados todos
(latidos e cães) na noite
formem (no arca-
bouço da matilha)
uma redoma protetora
em torno da rua.
NO PRELO
Se a minha palavra é a minha busca
de uma vida inteira, em todo mundo
e ela dorme encantada à sombra
de um livro raro, quiçá
encontrá-la-ei num alfarrábio,
num sebo, numa biblioteca pública...
Quem sabe minha resposta ainda
esteja no prelo.
OCASO
Um pássaro sob o sol da tarde:
Um dia, ave liberta em nuvens
colorindo o brilho silente:
Hoje, um olhar tímido entre grades
e um desejo pulsando no peito.
Mas o peito vai se apertando
contra o vazio do ventre
e o passarinho triste
sob o sol da tarde a pino
entre fortes grades definha.
Então,
ao som dos raios solertes
a ave liberta em vôo
bate as asas da alma
pelo azul do infinito...
Abilio Pacheco é baiano de Juazeiro, e vive no Pará deste os sete anos. Coordena o Curso de Letras no Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará. Publicou "Poemia"e "Mosaico Primevo", de onde foram extraídos os textos acima. Fundou a Editora Literacidade, onde promove o surgimento de novos talentos da Literatura Brasileira. Contatos: editoraliteracidade@uol.com.br .
sábado, 5 de março de 2011
LUIZ OTAVIO OLIANI

MÃOS DESUNIDAS
não serei o poeta do passado
embora dele me alimente
canto o presente
que Drummond não vê
nada de serafins
cartas de suicida
-os homens aterraram
a palavra amor
num canteiro de obras
as mãos desunidas
traduzem: os espinhos
inda sufocam as flores
CASA
faço do silêncio
a morada do ser
não lhe digo
palavras duras
nem amorteço quedas
apenas guardo
a concha
em que abrigo
a solidão dos homens
LEGADO
quando eu me for
ficarão as palavras
-aprendizado em surdina
no fundo do peito
dos ancestrais
entre lírios e versos
lição guardada:
engenho fincado à terra
desPERTENÇA
o que escrevo
não cabe em mim
extrapola o sopro da língua
e se faz terra
enquanto sou ar
com raízes fincadas
a palavra não aterrissa
brota qual semente
VIAGEM
entre preces
e véus
a roupa
esconde o nada
as flores calam
o banquete
inda a ser servido
por trás
dos óculos
a postergação
da nova casa
o morto já tem a dele
O TESOURO
nada fica em mim
mas nas cartas
que o temo envelhece
tudo dorme
no silêncio interior
onde está a chave da palavra?
FAXINA
a menina varre os dias
tenta limpar
a própria escória
como espantar o pó,
livrar-se do fardo?
longe daquela casa
passa o amor
ALTO-MAR
teias de solidão
no oceano
o navio não mais atraca
de nada servem
a âncora enferrujada
o mastro sem bandeira
a quilha
o radar
todos se foram
só o mar permanece
cúmplice dos desamores do mundo
RESGATE
não serei o poeta do passado
embora dele me alimente
canto o presente
que Drummond não vê
nada de serafins
cartas de suicida
-os homens aterraram
a palavra amor
num canteiro de obras
as mãos desunidas
traduzem: os espinhos
inda sufocam as flores
CASA
faço do silêncio
a morada do ser
não lhe digo
palavras duras
nem amorteço quedas
apenas guardo
a concha
em que abrigo
a solidão dos homens
LEGADO
quando eu me for
ficarão as palavras
-aprendizado em surdina
no fundo do peito
dos ancestrais
entre lírios e versos
lição guardada:
engenho fincado à terra
desPERTENÇA
o que escrevo
não cabe em mim
extrapola o sopro da língua
e se faz terra
enquanto sou ar
com raízes fincadas
a palavra não aterrissa
brota qual semente
VIAGEM
entre preces
e véus
a roupa
esconde o nada
as flores calam
o banquete
inda a ser servido
por trás
dos óculos
a postergação
da nova casa
o morto já tem a dele
O TESOURO
nada fica em mim
mas nas cartas
que o temo envelhece
tudo dorme
no silêncio interior
onde está a chave da palavra?
FAXINA
a menina varre os dias
tenta limpar
a própria escória
como espantar o pó,
livrar-se do fardo?
longe daquela casa
passa o amor
ALTO-MAR
teias de solidão
no oceano
o navio não mais atraca
de nada servem
a âncora enferrujada
o mastro sem bandeira
a quilha
o radar
todos se foram
só o mar permanece
cúmplice dos desamores do mundo
RESGATE
como posso resgatar
o que não existe em mim?
ao beijar a solidão
eu me dispo por inteiro
da escória que é o homem
na inútil tentativa
de ser Deus por um minuto
Luiz Otávio Oliani cursou Letras e Direito. Consta em mais de quarenta antologias de literatura. Participação intensa em eventos literários, jornais, revistas do País e do exterior. Recebeu mais de 50 prêmios. Publicou "Fora de órbita", Editora da Palavra, poesia, 2007, orelhas de Teresa Drummond e prefácio de Igor Fagundes; livro recomendado pelo Jornal de Letras, editoria dos acadêmicos Arnaldo Niskier e Antonio Olinto, em outubro de 2007. Em 2008, teve o poema "Teresa" musicado por Maury Santana no CD Música em Poesia, volume 1. "Espiral", com prefácio de Reynaldo Valinho Alvarez, orelhas de Astrid Cabral e foto do autor por Eloísa Batelli, é o segundo livro de poemas do escritor, publicação da Editora da Palavra, 2009. Tem poemas traduzidos para o inglês, francês, italiano e espanhol na Revista Ponto Doc número 7, edição de 2009.
Luiz Otávio Oliani cursou Letras e Direito. Consta em mais de quarenta antologias de literatura. Participação intensa em eventos literários, jornais, revistas do País e do exterior. Recebeu mais de 50 prêmios. Publicou "Fora de órbita", Editora da Palavra, poesia, 2007, orelhas de Teresa Drummond e prefácio de Igor Fagundes; livro recomendado pelo Jornal de Letras, editoria dos acadêmicos Arnaldo Niskier e Antonio Olinto, em outubro de 2007. Em 2008, teve o poema "Teresa" musicado por Maury Santana no CD Música em Poesia, volume 1. "Espiral", com prefácio de Reynaldo Valinho Alvarez, orelhas de Astrid Cabral e foto do autor por Eloísa Batelli, é o segundo livro de poemas do escritor, publicação da Editora da Palavra, 2009. Tem poemas traduzidos para o inglês, francês, italiano e espanhol na Revista Ponto Doc número 7, edição de 2009.
domingo, 20 de fevereiro de 2011
ULYSSES ROCHA FILHO
SERENANDO...
A chuva beija a terra
Com hálito de menta...
O desejo do dia
Possuindo a noite
Me dita esperanças...
Ainda que haja um abraço
Não sei se passo
Não sei se faço
Com que volte a chover...
A terra, fecundada, engravida
De ilusão e choros vãos...
Do alto do céu _ breu...
Do cio da terra _ gravidez...
Da esperança _ o nada...
Na esperança de frutificar e,
Com esperança, de viver...
A chuva beija a terra
Para engravidá-la de novo!
FIOS DESENCAPADOS
Bafejada na nuca
Sussurro na orelha
Língua no peito
Tato no tato
Tentáculos no dorso
Encaixe da vida:
são fios desencapados!
São fios desencapados
No café da manhã
No descanso do almoço
No encontro da tarde
E no descanso(?)
Da noite!
Mas são possibilidades mil:
Língua na nuca
Sussurro na orelha
Tentáculos no peito
Encaixe no tato
Bafejada no dorso
Tato da vida:
sempre, fios desencapados!
BANZO
(A rede vai
E vem)
A vida vai
E não vem
A mulher foi
E veio
(A rede vai
E vem)
O olho olha
E fecha
A vida vai
E vem
Vai ali
Ali vem.
(A rede vai
E vem!)
Quanto lasso,
Meu Pai!
(A rede vai
E vem!)
Olho e Durmo
na rede
Que vai...
E... Vem!
QUIRODÁCTILO
Toquei o dedo no meio
Do nada do sexo
E comecei acariciando
O mais belo favo de mel...
Viajei por outros caminhos
Desci aos infernos da solidão
(Percebendo presença de multidão)
Mas alcancei um prazer supremo....
Como nunca imaginara,
Descobri na dor do prazer,
entre o dedo indicador e o anelar,
A falsa realização do sonho...
Em cada palavra _ mentiras!
Em cada olhar _ verdades!
Em outros sonhos _ ilusão!
Em cada dedo, no sexo _ um não!
ULYSSES ROCHA FILHO, escritor e professor universitário, autor dos livros FIOS DESENCAPADOS (2009) e CONTOS DESBOTADOS (2010), reside em Goiás, na cidade de Catalão. Sua poesia, por vezes, caminha pelas veredas do sensualismo labiríntico das palavras penetradas no papel. Cinema, música e literatura é o seu tripé preferido.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
VASCO DOS SANTOS
SONETO IX 
Se Lisboa é sorriso, a vida é dura,
A aldeia está perdida na lembrança,
Ressoam, no outro lado, ecos de esperança
No sonho convidando tal procura.
No cais é silhueta, igual figura
Que o Velho do Restelo, sem tardança,
Invocando a corrida à abastança,
Lembrava a dor sentida na aventura.
E porque, ao português, o mar o tenta,
A nado, se preciso, abre caminho,
Deixa-se a terra, o lar e vai sozinho.
O mar não é mais forte que a tormenta
E parte sobre as ondas, qual golfinho,
Ao encontro do sonho em novo ninho.
SONETO XII
Vivo como quem vai e não retorna,
Após tão longo andar no curto espaço,
Que a viagem, circunscrita ao meu abraço,
Cabe na solidão da praia morna.
A vida que procuro a dor contorna
No miasma que amarra, ao mesmo laço,
A carícia da mão, que afaga o braço,
A ânsia dum amor que tudo adorna.
Sinto um véu de penumbra que se esgarça
Em fiapos de nuvem em céu distante,
Moldando a silhueta do imigrante
Que a tua imagem doce não embaça,
Atravessando o mar, qual navegante,
Para alcançar a vida mais adiante.
SONETO XVII
As carpas da água mansa envelheceram
Pois, já não nadam mais, e até parece
Que a morte destes peixes acontece
Só porque de nadar desaprenderam.
Se estas coisas, de fato, aconteceram,
Esta ausência das carpas obedece
A ordem superior que lhes dissesse:
- esqueçam de nadar...então, morreram.
Morrendo de saudade, inconformadas,
Rumando ao paraíso, ali, juraram
Permanecer em prantos e imploraram
Aos anjos e às potestades acordadas
Que, em concilio, reunidas, concordaram
Em receber as carpas que te acharam.
SONETO XXIV
Ruidosas maritacas, barulhentas,
Debicavam bananas escolhidas
Nas tristes bananeiras já sofridas
Por aves tão vorazes quão violentas.
Periquitos, em bando, iguais tormentas
Iniciavam nas suas investidas,
Disputando o lugar às atrevidas
Maritacas, tão lestas quão atentas.
E, nessa babilônia de galreios,
Neste piar dolente, ao desafio,
Nesta airosa disputa ao arrepio
Da ordem e da bagunça, em tais anseios,
Passávamos o tempo ouvindo o pio
Das agitadas aves ao alvedrio.
SONETO XXVI
Dissiparam-se as nuvens nesta noite
Em fiapos esgarçados pelo vento,
Só rastros me deixaram de tormento
A fustigar-me a alma como açoite.
Nem lobo sem a toca onde se acoite,
Vagueando sobre a neve, a passo lento,
Encontrará guarida no relento,
Procurando lugar e, ali, se amoite.
Me vi atormentado e tão aflito
Ao redor de mim mesmo e não sabia
Que o sol durante a noite não se via
E ninguém escutava este meu grito
Pela simples razão de que dormia
O triste pesadelo que temia.
SONETO XXXIV
Garoa mansa e fina cai na rua
Num ritmo cadenciado e incessante,
O corpo me fustiga a todo o instante
E a alma sacoleja pobre e nua.
Sarjado em lanhos ocres como a lua,
Que a noite soluçou agonizante,
Os passos decalquei de caminhante
Que se atirou à vida e continua.
Restaram só pegadas, nada mais,
Decalcadas no pó argamassado
Com sangue e, no suor, tudo ensopado,
Ao gorjeio das aves matinais,
No solidário amor amalgamado
Que, na alma, me deixou assinalado.
A ÚLTIMA PÁGINA
Por derradeira ser, aqui descansa
A página final dispersa ao vento,
Condensando meus versos sem talento
À luz bruxuleante da esperança.
Por mares naveguei que a alma alcança
Rasgando longas rotas de tormento,
Por oceanos de angústia e sofrimento,
Antes de recolher-me à barra mansa.
Nos rescaldos ardentes do deserto,
Em marchas alongadas, quão imensas,
Alcancei, finalmente, o rumo certo
E o caminho rasgou-se a céu aberto,
Com o sol clareando as rotas densas
E Deus, que andava longe, ficou perto.

Se Lisboa é sorriso, a vida é dura,
A aldeia está perdida na lembrança,
Ressoam, no outro lado, ecos de esperança
No sonho convidando tal procura.
No cais é silhueta, igual figura
Que o Velho do Restelo, sem tardança,
Invocando a corrida à abastança,
Lembrava a dor sentida na aventura.
E porque, ao português, o mar o tenta,
A nado, se preciso, abre caminho,
Deixa-se a terra, o lar e vai sozinho.
O mar não é mais forte que a tormenta
E parte sobre as ondas, qual golfinho,
Ao encontro do sonho em novo ninho.
SONETO XII
Vivo como quem vai e não retorna,
Após tão longo andar no curto espaço,
Que a viagem, circunscrita ao meu abraço,
Cabe na solidão da praia morna.
A vida que procuro a dor contorna
No miasma que amarra, ao mesmo laço,
A carícia da mão, que afaga o braço,
A ânsia dum amor que tudo adorna.
Sinto um véu de penumbra que se esgarça
Em fiapos de nuvem em céu distante,
Moldando a silhueta do imigrante
Que a tua imagem doce não embaça,
Atravessando o mar, qual navegante,
Para alcançar a vida mais adiante.
SONETO XVII
As carpas da água mansa envelheceram
Pois, já não nadam mais, e até parece
Que a morte destes peixes acontece
Só porque de nadar desaprenderam.
Se estas coisas, de fato, aconteceram,
Esta ausência das carpas obedece
A ordem superior que lhes dissesse:
- esqueçam de nadar...então, morreram.
Morrendo de saudade, inconformadas,
Rumando ao paraíso, ali, juraram
Permanecer em prantos e imploraram
Aos anjos e às potestades acordadas
Que, em concilio, reunidas, concordaram
Em receber as carpas que te acharam.
SONETO XXIV
Ruidosas maritacas, barulhentas,
Debicavam bananas escolhidas
Nas tristes bananeiras já sofridas
Por aves tão vorazes quão violentas.
Periquitos, em bando, iguais tormentas
Iniciavam nas suas investidas,
Disputando o lugar às atrevidas
Maritacas, tão lestas quão atentas.
E, nessa babilônia de galreios,
Neste piar dolente, ao desafio,
Nesta airosa disputa ao arrepio
Da ordem e da bagunça, em tais anseios,
Passávamos o tempo ouvindo o pio
Das agitadas aves ao alvedrio.
SONETO XXVI
Dissiparam-se as nuvens nesta noite
Em fiapos esgarçados pelo vento,
Só rastros me deixaram de tormento
A fustigar-me a alma como açoite.
Nem lobo sem a toca onde se acoite,
Vagueando sobre a neve, a passo lento,
Encontrará guarida no relento,
Procurando lugar e, ali, se amoite.
Me vi atormentado e tão aflito
Ao redor de mim mesmo e não sabia
Que o sol durante a noite não se via
E ninguém escutava este meu grito
Pela simples razão de que dormia
O triste pesadelo que temia.
SONETO XXXIV
Garoa mansa e fina cai na rua
Num ritmo cadenciado e incessante,
O corpo me fustiga a todo o instante
E a alma sacoleja pobre e nua.
Sarjado em lanhos ocres como a lua,
Que a noite soluçou agonizante,
Os passos decalquei de caminhante
Que se atirou à vida e continua.
Restaram só pegadas, nada mais,
Decalcadas no pó argamassado
Com sangue e, no suor, tudo ensopado,
Ao gorjeio das aves matinais,
No solidário amor amalgamado
Que, na alma, me deixou assinalado.
A ÚLTIMA PÁGINA
Por derradeira ser, aqui descansa
A página final dispersa ao vento,
Condensando meus versos sem talento
À luz bruxuleante da esperança.
Por mares naveguei que a alma alcança
Rasgando longas rotas de tormento,
Por oceanos de angústia e sofrimento,
Antes de recolher-me à barra mansa.
Nos rescaldos ardentes do deserto,
Em marchas alongadas, quão imensas,
Alcancei, finalmente, o rumo certo
E o caminho rasgou-se a céu aberto,
Com o sol clareando as rotas densas
E Deus, que andava longe, ficou perto.
Escritor luso-brasileiro radicado no Brasil, São Paulo, onde reside, formado em Direito pela USP (São Francisco). Escritor e editor, poeta e ensaista, romancista, crítico literário, palestrante. Romances editados: Pé de Boi, Pata de Homem (esgotado), O Cristo do Braço Quebrado (esgotado), O Mameluco(romance histórico), João Ramalho memórias dum povoador (romance histórico-esgotado), O solitário da montanha (romance de reflexão introspectiva e mística). Padre Antônio Vieira, o mestiço (romance histórico-biográfico -edição a sair este ano por Lisboa) Contos do Dia a Dia no Vale do Paraíba(esgotado),Os Filhos da Rua, O Menino e a Rosa (esgotado). Poesia: O Silêncio do Mar Salgado, O Achamento do Brasil, Carmen - 47 sonetos + um. Ensaios: Graciliano Ramos Vida e Obra, A Invenção do Mar (Leitura dum clássico - no prelo). Contos: Contos do Dia a Dia no Vale do Paraíba (esgotado), Os Filhos da Rua, O Menino e a Rosa (esgotado). Muitos outros(poesia e prosa) aguardam oportunidade para publicação. Os sonetos aqui reunidos fazem parte do livro "Carmen - 47 Sonetos + um", de recomendável leitura. Contato: vasco.s@terra.com.br
domingo, 23 de janeiro de 2011
SÔNIA BRANDÃO

PRIMAVERA
É primavera.
Deixo o barco do silêncio.
Uma rosa se abre no meu peito.
Meu pássaro volta a cantar.
Saboreio em êxtase
o novo gosto da vida.
O SILÊNCIO
No rio inquieto
o murmúrio das águas
onde te espelhas.
Não te reconheces.
Teu sangue
ainda flui nas águas.
Existes.
Como se já não fosses
ou fosses outro.
Pouco importa.
Basta o silêncio
das pedras no caminho.
O AÇUDE DA MEMÓRIA
O ovo do pássaro fecunda o tempo.
Mergulho fundo no açude da memória.
Vôo da infância à maturidade.
aabro os olhos para o que sou
e o instante em que dormirei
como dorme o crepúsculo.
CAVALGADA
Faço um cavalo
de vento e vertigem.
Vagamos pela noite,
subimos juntos a montanha.
Ele,
cheirando o silêncio,
pastando os sonhos entre as pedras.
Eu,
bebendo a vida,
fartando-me de estrelas.
OS ANJOS
É inútil matar os anjos.
Onde jogar as asas?
Onde enterrar os corpos?
Anjos não têm asas.
Anjos não têm corpos.
Os anjos são eternos.
Cada vez mais fortes,
após cada morte,
renascem dentro de nós.
ALENTO
Os mortos não estão mortos.
Os mortos não estão sob a terra.
Estão na árvore que treme.
Estão na chuva que cai.
Estão na água que corre.
Estão na casa, estão entre nós.
Os que morreram jamais partiram.
É primavera.
Deixo o barco do silêncio.
Uma rosa se abre no meu peito.
Meu pássaro volta a cantar.
Saboreio em êxtase
o novo gosto da vida.
O SILÊNCIO
No rio inquieto
o murmúrio das águas
onde te espelhas.
Não te reconheces.
Teu sangue
ainda flui nas águas.
Existes.
Como se já não fosses
ou fosses outro.
Pouco importa.
Basta o silêncio
das pedras no caminho.
O AÇUDE DA MEMÓRIA
O ovo do pássaro fecunda o tempo.
Mergulho fundo no açude da memória.
Vôo da infância à maturidade.
aabro os olhos para o que sou
e o instante em que dormirei
como dorme o crepúsculo.
CAVALGADA
Faço um cavalo
de vento e vertigem.
Vagamos pela noite,
subimos juntos a montanha.
Ele,
cheirando o silêncio,
pastando os sonhos entre as pedras.
Eu,
bebendo a vida,
fartando-me de estrelas.
OS ANJOS
É inútil matar os anjos.
Onde jogar as asas?
Onde enterrar os corpos?
Anjos não têm asas.
Anjos não têm corpos.
Os anjos são eternos.
Cada vez mais fortes,
após cada morte,
renascem dentro de nós.
ALENTO
Os mortos não estão mortos.
Os mortos não estão sob a terra.
Estão na árvore que treme.
Estão na chuva que cai.
Estão na água que corre.
Estão na casa, estão entre nós.
Os que morreram jamais partiram.
Sônia Brandão, de Bauru, é autora de "Prenúncio". Seu Blog (http://passaroimpossivel.blogspot.com) é dos mais belos existentes, atualmente, no que diz respeito a Poesia. Entre outras distinções, Sônia foi premiada duas vezes no Mapa Cultural Paulista (2003/2004 e 2007/2008).
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
SÉRGIO BERNARDO

PORTARIAS
Febre que o queimasse,
um trago.
Às vezes nem isso, apenas saliva,
mineral de sob a língua,
veio que não se esgota. No chão,
entre duas portarias,
algo que se move.
Às vezes nem isso, embrulho
de peleja e mal cheiro,
imóvel no asfalto,
carga
a postos para o rabecão da prefeitura.
Ali,
agora.
Depois, em nenhum lugar.
RELIGARE
Estes metais
cruzados
para pouso de um homem,
no fundo da casa,
ofuscam
a fome circundante
fora,
na crueza do asfalto
a multidão de crucificados espera.
TREINO
Em lugar da casa,
espaço sob a laje,
no exercício da escuridão,
o estudo da estreiteza:
menos de sete palmos
pouco acima do asfalto.
CEGUEIRA
Seu sol de catadora,
luz encardida nas calçadas,
gira numa galáxia
de papelão e alumínio,
rendendo trocados
para a quentinha
comida fria
sobre a toalha do asfalto,
um sol ocasional
porque nem tudo é caixa,
nem tudo é cerveja
ou suco de coca,
e de repente se apaga
cegando universos.
DESACATO
Não que haja perfume
no podre das comidas
nas latas,
não que seja bela
a carne raquítica
dos homens do asfalto,
não que necessariamente vistam
esses andrajos
de carcomida tez,
não que agradem
sarcófagos de cobertor
abrigando corpos,
não se olha isso
por ser bom moço
ou masoquista.
Acontece que
a realidade não põe tapumes
nas descontruções das ruas.
Ver desacata vontades.
FOZ IMPOSSÍVEL
Ruas como rios na geografia da urbe,
A massa de asfalto como água.
Imitando peixes, bípedes sem rumo.
Sons submersos de sirenes, motores, vozes.
Não há mar que pacífico aceite o despejo.
O carioca Sérgio Bernardo, seguramente, encontra-se situado, na literatura brasileira contemporânea, como um dos que. Jornalista. Poeta. Contista. Premiado no Brasil e no Exterior. Artista múltiplo e loquaz, escreveu "Caverna dos Signos", livro publicado a convite da Secretaria de Cultura de Nova Friburgo (RJ), onde mora. Os versos acima são de seu mais novo trabalho, "Asfalto", onde o Poeta, sem meias-palavras, nos convida a deixar a zona de conforto e ver o que há por trás do que pensam guardar nossos olhos. Contato: sergbernardo@ig.com.br
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