domingo, 10 de março de 2013
RUY PROENÇA
ENCONTRO
Chegam primeiro
os ventos quentes.
Tomam de assalto
a cidadela.
Os circuitos de proteção
automaticamente
se desligam.
As pontes levadiças
baixam.
Um leque
de ventosas invisíveis
se abre
lentamente
sobre a imagem
do outro
que se aproxima.
Quanto mais se aproxima
mais se revela
sua geografia
de espinhos,
seu corpo
de minúsculos
guarda-chuvas.
A ilha de ventosas
uma a uma
as lanças embainha.
Traz ainda
estoque
de matéria
aderente.
Por um instante
antes de regressar
à escuridão particular
duas impossibilidades
se misturam.
TORMENTA
e vieram os pássaros
e bicaram-lhe os olhos
e vieram os martelos
e pregaram-lhe as unhas
e vieram os funis
e forçaram-lhe
goela abaixo
o que não queria
de jeito nenhum
DESENRAIZADOS
cortaram nossas raízes:
por isso
deixamos de ser árvores
ainda podemos escolher
ser pássaro, peixe
ou outro movimento
que viaje na água
ou no vento
mas nossa consciência de aço
falso (sucata)
pesa sobre nossos ossos
e mal conseguimos
ensaiar um passo
TANTO PESO
uma canoa de ferro
pousada
sobre a areia
ninguém sabe
de onde veio
de que noite
uma canoa de ferro
esperando talvez
braços
que a empurrem ao mar
e com ela
se lancem
FRONTEIRA
Nasci de um acaso.
Como esse muro
à minha frente
alto
dividindo duas vizinhanças.
Alguém me deu à luz,
alguém me tirou a luz.
Não vejo o mundo:
miro o muro.
Dele conheço
cada detalhe.
TIRANIAS
antigamente
diziam: cuidado,
as paredes têm ouvidos
então
falávamos baixo
nos policiávamos
hoje
as coisas mudaram:
os ouvidos têm paredes
de nada
adianta
gritar
Ruy Proença nasceu em São Paulo, a 9 de janeiro de 1957. Engenheiro de minas. Publicou, entre outros, Pequenos Séculos, Editora Klaxon, São Paulo, 1985; A lua investirá com seus chifres, Editora Giordano, São Paulo, 1996. Participa da Anthologie de la poésie brésilienne, organização de Renata Pallottini, Éditions Chandeigne, França, 1998. Desde 1990 integra o grupo Cálamo de criação poética. Os textos acima fazem parte do livro "Visão do Térreo"(Editora 34, 2007).
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Parabéns pelo lindo blog. Gostei muito, venho gostando sem parar rs. Nao consigo parar de ler de descobrir tanta coisa boa. Me delicio. Tomei a liberdade de roubar "desenraizados" e publicar no meu blog mardedansas.blogspot.com.br
ResponderEliminarabraço
Marilvia